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Pela 1ª vez, um ministro francês vira réu acusado de usar cargo para 'vingança' pessoal

Em uma situação totalmente sem precedentes na França, a partir de segunda-feira (6), o atual ministro da Justiça, Éric Dupond-Moretti, ficará no banco dos réus por dez dias perante o Tribunal de Justiça da República, acusado de ter abusado de sua posição como ministro para acertar contas relacionadas ao seu passado como advogado.

O ministro da Justiça da França, Eric Dupond-Moretti, em Paris.
O ministro da Justiça da França, Eric Dupond-Moretti, em Paris. REUTERS - SARAH MEYSSONNIER
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De acordo com a acusação, Eric Dupond-Moretti simplesmente buscou se vingar de quatro juízes com quem teria tido embates quando atuava como advogado. A acusação alega que Moretti costumava ter relações conflituosas enquanto exercia a advocacia. 

Assim que foi nomeado ministro, em julho de 2020, o titular da Justiça iniciou investigações administrativas contra um juíz de instrução, anteriormente sediado em Mônaco e, em seguida, contra três magistrados da Procuradoria Financeira Nacional.

Eric Dupond-Moretti teria sido alertado várias vezes sobre possíveis acusações de conflitos de interesse, mas teria optado por continuar os processos administrativos. Em sua defesa, ele afirma que os procedimentos foram iniciados antes de sua chegada ao Ministério e que ele teria simplesmente cumprido recomendações de seus departamentos quanto às ações tomadas.

Os juízes investigadores do Tribunal de Justiça da República francesa apontaram que o ministro era um renomado advogado criminalista, não um amador, alegando que ele sabia que teria sido suficiente um pedido para ser retirado desses casos para que os mesmos fossem tratados pelo escritório do primeiro-ministro. No entanto, Eric Dupond-Moretti só tomou tal atitude em outubro de 2020.

Situação inédita minimizada pelo Executivo

Essa situação, sem precedentes na história da França, é minimizada pelo Executivo, que tem reiterado constantemente que ele ainda é "presumivelmente inocente". A primeira-ministra francesa Élisabeth Borne manteve sua "total confiança" em Dupont-Moretti no final de julho, durante um remanejamento no goveno e logo após o Tribunal de Cassação validar o encaminhamento o ministro ao Tribunal de Justiça da República. 

Eric Dupond-Moretti também saiu fortalecido depois que seu principal projeto de lei de programação da Justiça foi aprovado sem grandes dificuldades no Parlamento, em outubro. Mas se for condenado, terá que renunciar. Essa "regra é clara", disse a primeira-ministra há algumas semanas.

Na segunda-feira, o ministro da Justiça descreveu seu julgamento como uma "infâmia" para ele e para aqueles "próximos a ele", em sua primeira aparição perante o Tribunal de Justiça da República (CJR).

"Até as últimas horas, eu não havia me defendido", disse o ministro ao tribunal, "basicamente para que meu ministério e minhas ações não fossem manchados". "Pretendo me defender com dignidade, integramente, mas pretendo me defender com firmeza", bradou.

"Sou advogado há 36 anos, alguns advogados me criticaram por não ser mais advogado, e alguns magistrados [me criticaram] por ter sido", apontou o acusado.

Jorge Mendes, advogado franco-lusitano em Marselha, disse à RFI que o caso pode colocar em xeque a credibilidade da Justiça francesa:

"Vamos ver os deputados o que vão falar. O ministro vai criticar os deputados que são políticos e isto não vai fazer bem à imagem da Justiça na França. Dupont-Moretti nunca deveria ser julgado por políticos [...] Isto pode abrir uma grande crise na França com este confronto entre a Justiça e a política. Eu não acredito que os deputados vão conseguir ultrapassar a sua posição política, com extrema-direita e extrema-esquerda [...] e vai ser um circo muito grave para Justiça", indicou o advogado francês de origem portuguesa em entrevista à RFI.

A audiência de segunda-feira será retomada na terça-feira (7), com o interrogatório de Eric Dupond-Moretti. Seu julgamento está programado para durar até 16 de novembro, e espera-se que a decisão do CJR seja levada em consideração.

(Com RFI e AFP)

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