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Instinto de sobrevivência: franceses se tornam adeptos à tendência do bunker

A capital francesa abriga neste fim de semana a Survival Expo 2023. No evento classificado como “salão da autonomia”, um equipamento emblemático do estilo de vida de sobrevivência ganha destaque: o bunker, uma sala fortificada projetada para resistir a desastres, que atrai a atenção dos visitantes. Em um mundo ameaçado por perigos climáticos, riscos nucleares e também por guerras, o bunker parece seduzir cada vez mais. Um conceito de lugar para se viver que pode ser tudo, menos comum.

Na França, o bunker é um recurso cada vez mais popular desde o início da guerra na Ucrânia e as ameaças de ataques nucleares.
Na França, o bunker é um recurso cada vez mais popular desde o início da guerra na Ucrânia e as ameaças de ataques nucleares. © Nicolas Bamba/RFI
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Nicolas Bamba, da RFI

Nos corredores desta 4ª edição da feira da sobrevivência em Paris, especialistas em facas afiam suas lâminas, outros, entendidos de arco e flecha, também sacam suas armas, enquanto os visitantes descobrem equipamentos de todos os tipos, inclusive as mais recentes soluções para se filtrar água.

Mas nada se compara a presença imponente – e rapidamente cercada de curiosos – do bunker. O famoso abrigo, sempre associado ao estereótipo daqueles com desenvolvido instinto de sobrevivência, é, na realidade, dedicado a um perfil bem mais diversificado.

O ambiente idealizado pela empresa Bünkl, expositora desta Survival Expo, se destina ao público em geral. É preciso renunciar à ideia de bunkers de luxo, uma vez que este abrigo dedicado à preservação da vida em caso de desastres pode ser útil a todos. “Estamos tentando democratizar esta solução para oferecê-la ao maior número possível de pessoas”, garante Karim Bourakabila, CEO da empresa.

Com sua superfície de 20m², o bunker projetado pela Bünkl pode parecer modesto quando comparado ao da Casa Branca, mas o mais importante é que este produto obedece ao padrão NRBQ. “Um bunker NRBQ real é projetado para proteger os ocupantes de qualquer perigo externo, seja nuclear, radiológico, biológico, seja químico. É o que significa a sigla”, esclarece Bourakabila.

Em caso de catástrofe, este é, portanto, "the place to be" (o lugar para se estar, em tradução livre) para oferecer as melhores chances de sobrevivência. “Quando há um evento do tipo explosão, ocorrem diferentes efeitos: efeitos térmicos, ionizantes e sísmicos, espalhando contaminação. A estrutura deve ser projetada para suportá-la e proteger os ocupantes”, continua o chefe da empresa.

 

 

Rústico e ‘antifrágil’

Com isso, o bunker é devidamente blindado e equipado: construído em concretos técnicos especiais, com paredes e porta de 20 a 25 cm de espessura, câmara de ar com ducha de descontaminação, normas antissísmicas. O modelo também dispõe de sistema de filtragem do ar, um equipamento muito simples e por um bom motivo: em meio ao caos, a eficiência supera a alta tecnologia.

“Tem que ser bem rústico e ‘antifrágil’. Não há eletrônicos, logo, não há panes. E mesmo em caso quando não houver eletricidade, o sistema de filtragem pode ser ativado manualmente. Em tempos de guerra, todos os refinamentos modernos e eletrônicos devem ser esquecidos. É preciso ser simples, robusto, antifrágil, durável”, insiste Boukarabila.

O visitante Steve olha perplexo para o abrigo, mas não se imagina lá dentro. "Quando chegarmos a esse ponto, é porque realmente estamos na m***", ele ri. Já seu amigo Yann tem ar mais interessado. Ele visita o bunker, faz perguntas, aborda alguns detalhes técnicos e financeiros. Adquirir um bunker? "Tenho pensado nisso há algum tempo", admite após “explorar o local”.

Logo vem à tona a motivação deste morador da cidade de Orleans, na região do Vale do Loire: “Moro perto de uma central nuclear, apenas isso! Seria para proteção, para ter algo pelo menos à prova d'água. Isso está na minha cabeça há dez anos. Não estamos imunes a um acidente”, ele argumenta.

Yann afirma que é preciso avaliar bem, pois um bunker é um grande investimento. “Eu vejo os preços. Encontrei alguns entre € 60 mil e € 70 mil. Mas este custa € 100 mil, é um pouco caro. Mas o material é interessante”, avalia.

 

A porta de acesso a um bunker Bünkl, com de 20 cm a 25 cm de espessura, é preenchida com um concreto especial, capaz de resistir a riscos do tipo nuclear, radiológico, biológico ou químico.
A porta de acesso a um bunker Bünkl, com de 20 cm a 25 cm de espessura, é preenchida com um concreto especial, capaz de resistir a riscos do tipo nuclear, radiológico, biológico ou químico. © Nicolas Bamba/RFI

 

Guerra na Ucrânia e armas nucleares

Se, por um lado, a Bünkl oferece bunkers mais espaçosos e, com isso, mais caros, por outro, a empresa também apresenta soluções de blindagem para cômodos, como porões, por exemplo. “É possível tornar [um porão] NRBQ, que não será protegido de forma tão eficaz quanto um bunker, mas é possível oferecer proteção mínima contra contaminantes”, detalha o CEO.

Julien Perrault, diretor técnico da Bünkl, trabalhou na reforma e ampliação do Estádio Jean-Bouin, em Paris, bem como em prisões, antes de passar para os bunkers. “Gosto de ovelhas com cinco patas, de trabalhos fora do comum”, ele brinca. Mas, mesmo assim, não gostaria de viver em um abrigo destes, de dimensões mínimas: “Um bunker é feito para se passar um período ruim, quando não dá para viver lá fora.”

Há mais de um ano os negócios vão bem para a Bünkl. Karim Bourakabila prefere ser discreto sobre os números, mas admite que, com a guerra na Ucrânia e as ameaças de armas nucleares feitas pela Rússia, os bunkers estão atraindo um interesse crescente.

Já Perrault espera ver a França seguir o exemplo de seu vizinho suíço. Devido a uma lei promulgada em 1963, em plena Guerra Fria, toda casa no país deve ter um abrigo antiatômico. Como resultado, a Suíça tem uma capacidade de acolhimento em seus bunkers que excede o número total de sua população. Enquanto isso, na França, apenas 4% da população seria abrigada.

Bunker comunitário

Para atender uma possível demanda em escala e a preços mais acessíveis, a Bünkl desenvolve um projeto ainda inédito na França: a criação de abrigos comunitários, capazes de acomodar um grande número de pessoas. Ainda em desenvolvimento, o projeto consistiria em um tipo de adesão, que daria acesso a uma vaga em um abrigo, se necessário.

“A ideia é boa, porque, não vamos mentir, um bunker é muito caro”, admite Perrault.

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