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França é condenada por tribunal europeu por se recusar a repatriar esposas e filhos de jihadistas

A França foi condenada nesta quarta-feira (14) pela Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) por não ter repatriado familiares de jihadistas franceses que ficaram retidos em acampamentos de prisioneiros na Síria. A condenação é um revés para Paris, embora a decisão do tribunal não estenda o "direito geral à repatriação" a todas as pessoas que se encontram em situação semelhante no país do Oriente Médio. 

Imagem do acampamento de prisioneiros de Roj, no nordeste da Síria.
Imagem do acampamento de prisioneiros de Roj, no nordeste da Síria. © Murielle Paradon / RFI
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A CEDH julgou os casos de duas famílias que entraram com queixa contra o Estado francês, depois de fracassarem na tentativa de obter a repatriação de duas mães francesas e seus filhos menores de idade. As duas mulheres deixaram a França em 2014 e 2015 para se juntar aos maridos, combatentes do grupo terrorista Estado Islâmico na Síria.

Uma delas deu à luz duas crianças, enquanto a outra teve um filho. Atualmente com 31 e 33 anos de idade, elas estão detidas desde o começo de 2019, junto com as crianças, nos acampamentos de prisioneiros de Al-Hol e Roj, na região nordeste da Síria. 

A sentença do tribunal europeu determina que a França deverá pagar € 18 mil a uma das famílias dos solicitantes e € 13,2 mil à segunda, para cobrir os custos processuais e as despesas que tiveram com advogados. Nos autos do julgamento, a Corte Europeia declara que o governo francês "deve retomar a análise dos pedidos dos requerentes o mais rápido possível, para fornecer garantias adequadas contra a arbitrariedade", sublinha a Grande Câmara da CEDH, a mais alta instância desse tribunal europeu.

A instituição judicial, com sede em Estrasburgo (leste da França), pede que "o indeferimento de um pedido de retorno apresentado neste contexto seja submetido a um exame individual (...) por um organismo independente", sem que este seja necessariamente "um órgão judicial".

"Fim da arbitrariedade"

"Essa condenação acaba com a arbitrariedade", diz Marie Dosé, uma das advogadas das famílias beneficiadas pela sentença. Os pais das duas mulheres tinham encaminhado vários pedidos às autoridades francesas para trazê-las com as crianças de volta. Mas diante da recusa do Estado, eles decidiram recorrer ao tribunal europeu.

No ofício de apresentação desses casos, os pais alegaram que suas filhas e netos estavam expostos a "tratamento desumano e degradante" nos campos de prisioneiros sírios, para onde foram levados familiares de jihadistas que morreram nos combates vencidos pela coalizão internacional contra o grupo Estado Islâmico em 2019.

O tribunal considerou que a França havia violado o artigo 3.2 do Protocolo 4 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos, que estabelece que "a ninguém será negada a entrada no território do Estado de que é nacional".

O governo "não podia proibir o acesso de cidadãos franceses ao (seu) território (...) Estas foram decisões arbitrárias" e Paris "deve reexaminar os pedidos de repatriação", afirmou a advogada Dosé. Ela lembrou que o governo francês já havia sido criticado em fevereiro pelo Comitê dos Direitos da Criança da ONU, que constatou que Paris havia "violado os direitos das crianças francesas detidas na Síria ao não repatriá-las".

A advogada pede, agora, a repatriação de todas as mulheres e crianças de nacionalidade francesa que estejam nas mesmas condições. "Em três operações, estará feito", acredita ela. 

No entanto, a CEDH não estabeleceu, com este julgamento, um direito sistemático de repatriação de nacionais, particularmente aqueles ligados ao jihadismo. "A Corte considera que os cidadãos franceses detidos nos campos no nordeste da Síria não têm o direito de reivindicar o benefício de um direito geral de repatriação", assinalam os juízes nos autos do julgamento. Entretanto, pode ter de fazê-lo em "circunstâncias excepcionais", como quando a "integridade física" está em jogo ou quando uma criança está "em uma situação de grande vulnerabilidade", conforme foi alegado e comprovado nesses dois casos.

Vulnerabilidade   

Esta sentença, que se dirige principalmente à França, também serve de referência para outros Estados-membros do Conselho da Europa que tenham cidadãos detidos na Síria. Por isso, representantes da Dinamarca, Suécia, Reino Unido, Noruega, Holanda, Espanha e França estiveram presentes na leitura das conclusões do julgamento, feita pelo presidente da CEDH, Robert Spano. 

Outros países da Europa, como Alemanha e Bélgica, já aceitaram de volta a maior parte de seus jihadistas. Não foi o caso da França, que tem protelado essa medida ao favorecer uma abordagem "caso a caso", para consternação das famílias e ONGs.  

Setores conservadores consideram que essas mulheres e crianças são como bombas-relógio, que poderiam explodir a qualquer momento por terem crescido em condições precárias na Síria, além de terem sido submetidas ao endoutrinamento islamita dos pais desde o início da vida.

No início de julho, a França repatriou um grupo de 35 menores e 16 mães. Foi a primeira ampla operação desse tipo, desde a queda do "califado" do grupo terrorista Estado Islâmico (EI), há três anos. Até então, apenas algumas crianças haviam sido trazidas de volta. Algumas mães foram presas logo após o desembarque em Paris e aguardam julgamento, enquanto as crianças foram entregues aos avós ou à Proteção Social da Infância.  

Questionado sobre a condenação do tribunal europeu, o porta-voz do governo francês, Olivier Verán, declarou: "Não esperamos pela decisão da CEDH para avançar". Ele acrescentou que os ministérios do Interior, da Justiça e das Relações Exteriores efetuaram modificações nas regras de análise e repatriação de cidadãos franceses que ainda se encontram no nordeste da Síria. "Cada caso, cada situação humana é examinada cuidadosa e minuciosamente", insistiu o porta-voz do governo.

Atualmente, ainda há cerca de uma centena de mulheres francesas e quase 250 crianças detidas em acampamentos de prisioneiros na Síria.

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