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Banir a Rússia e 'reabilitar' a Arábia Saudita: os dois pesos e duas medidas de Macron

O príncipe herdeiro saudita foi recebido na noite de quinta-feira (28), no Palácio do Eliseu. Uma visita que confirma a reabilitação de Mohamed bin Salman no cenário internacional. Ele foi mantido diplomaticamente afastado desde o assassinato brutal do jornalista e opositor Jamal Khashoggi, em 2018. A RFI entrevistou Agnès Callamard, secretária-geral da Anistia Internacional, que fala sobre as implicações da visita deste personagem polêmico da monarquia árabe no contexto de guerra na Ucrânia.

O presidente francês Emmanuel Macron dá as boas-vindas ao príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman ao chegar ao Palácio do Eliseu, em Paris, em 28 de julho de 2022.
O presidente francês Emmanuel Macron dá as boas-vindas ao príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman ao chegar ao Palácio do Eliseu, em Paris, em 28 de julho de 2022. AFP - BERTRAND GUAY
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Por Oriane Verdier

RFI: O presidente francês Emmanuel Macron já havia visitado Riad em dezembro passado. Você esperava que a aproximação entre os dois homens continuasse?

Agnès Callamard: A reabilitação [política] de Mohamed bin Salman é algo que não queríamos que acontecesse. Ele é responsável pelo assassinato atroz de Jamal Khashoggi, mas também, mais amplamente, pelo aumento da repressão na Arábia Saudita. Ele também é responsável por uma guerra no Iêmen que já matou milhares e é a pior crise humanitária do mundo. Esta reabilitação não deveria ter acontecido e não foi necessária. A França poderia ter continuado suas relações diplomáticas com a Arábia Saudita sem reabilitar Mohamed bin Salman. Claro que teria sido um pouco mais complicado, mas não teria sido impossível.

RFI: Na sua opinião, esta visita é uma prova da fraqueza de Paris em relação a Riad ou simplesmente uma má decisão diplomática?

AC: São ambos. Antes de tudo, é uma prova de fraqueza em um sistema geopolítico onde é necessário ser forte. Em segundo lugar, é uma falta de visão a longo prazo, o que é particularmente óbvio quando se ouve o atual discurso político sobre a agressão russa na Ucrânia. Não podemos banir a Rússia pela horrível agressão que ela está conduzindo contra a Ucrânia, ao mesmo tempo em que fortalecemos nossa amizade com outro Estado, a Arábia Saudita, que vem cometendo crimes de guerra no Iêmen há vários anos.

RFI: Infelizmente, não é novidade para a diplomacia ocidental fazer vista grossa a certas práticas de seus aliados.

AC: É isso mesmo. Os critérios parciais não são uma característica de 2022. Entretanto, no passado, cerca de dez anos atrás, as democracias ocidentais estavam preparadas para falar muito mais assertiva e sistematicamente sobre as violações dos direitos humanos e para torná-las uma parte central de sua abordagem diplomática. Eles não se censuravam da mesma forma que o fazem agora. A Rússia, a China e outros Estados estão defendendo uma reformulação do sistema, de modo que os chamados "valores ocidentais", os valores democráticos, sejam colocados de lado. Então, por que facilitar a vitória [da narrativa] desses países? É isso que estamos fazendo.

RFI: A invasão russa da Ucrânia foi uma oportunidade de acordar para estas questões?

AC: Não, isso foi um fracasso. No momento, os valores não estão no centro de nossa abordagem. Temos a prática permanente de "dois pesos duas medidas". Nós vimos isso com as políticas norte-americanas e vemos agora com as políticas europeias. Os discursos não são suficientes, devemos também agir, e isso não é o caso no momento. Em particular, devemos tentar criar uma forte coalizão em torno destes valores [democráticos]. Isto não aconteceu. Tudo o que estamos fazendo é negociar com a Arábia Saudita, Israel e alguns outros Estados produtores de petróleo. E, no entanto, não conseguimos uma coalizão contra a agressão russa. Temos apenas uma coalizão muito fraca que não nos permitirá nos opor à Rússia a longo prazo. Isto é muito preocupante para nós. É muito preocupante para todos aqueles que acreditam nestes valores e que acreditam na vitória ucraniana contra a Rússia. Esta é uma vitória que não pode ser apenas militar. Trata-se também de valores. Quando você recebe com tapete vermelho ditadores de todo o mundo, você perde em todos os níveis. Portanto, do meu ponto de vista, o que está acontecendo no momento é muito preocupante para o futuro: o futuro de nosso sistema internacional, o futuro da governança internacional e o futuro de nosso planeta.

RFI: Antes de se tornar secretária-geral da Anistia Internacional, você foi relatora especial das Nações Unidas. A partir de sua experiência, você acha que a diplomacia ocidental é capaz de se questionar?

AC: É claro que eles já demonstraram isso no passado e podem demonstrá-lo novamente. Ainda tenho conversas de vez em quando com certos representantes políticos do mais alto nível, seja nos Estados Unidos ou na Europa. Compreendo a necessidade de falar com a Arábia Saudita e outros Estados produtores de petróleo. Mas por que não ir também a todos aqueles Estados que podem não ter os mesmos valores econômicos, mas que são capazes de levar mensagens políticas importantes, seja na América Latina ou no continente africano? Hoje, na América Latina, só conversamos com a Venezuela. Por que fazemos isso? Porque tem petróleo. Mas os outros países também têm coisas a dizer, mensagens a levar. Eles podem fazer parte de uma coalizão. Por que não fazer isso? Por que não falar muito mais intensamente com a África do Sul, que exige um renascimento do movimento não-alinhado? A Rússia entendeu muito bem onde seus aliados estão no momento. E está tomando as medidas apropriadas.

A Europa e os Estados Unidos poderiam construir uma coalizão que fosse muito mais politicamente viável. Eles já o fizeram antes, poderiam fazê-lo novamente, mas não estão fazendo. Precisamos empregar meios econômicos, meios políticos. Talvez devêssemos enfrentar as questões da dívida, que são muito importantes na África em particular, dar algo (em troca), mas construir uma coalizão baseada em um mínimo de valores comuns. E isso não está sendo feito. 

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