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“A França tem a responsabilidade de retirar minha família do Afeganistão”, diz gerente de restaurante afegão de Paris

Os refugiados afegãos não esperaram a vitória do Talibã para fugir do país. O exílio em direção à Europa se intensificou com o início da retirada das tropas estrangeiras a partir de 2014. Hoje, os afegãos são a primeira nacionalidade a receber o direito de asilo na França e eles reclamam a retirada urgente de seus familiares do Afeganistão.

Amanullah Qudratullah, gerente do Afghan Best Food, em Paris, que pede ajuda da França para retirar a família do Afeganistão.
Amanullah Qudratullah, gerente do Afghan Best Food, em Paris, que pede ajuda da França para retirar a família do Afeganistão. © RFI/A.Brandão
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Oficialmente, 45.000 afegãos vivem na França. Desde 2018, o Serviço francês de Proteção de Refugiados e Apátridas (Ofpra) recebe em média 10.000 pedidos de asilo de imigrantes afegãos. Nem todos são concedidos, mas no ano passado 7.494 afegãos receberam o status de refugiado, o que representa um quarto do total dos estrangeiros acolhidos na França em 2020.

Na realidade, a comunidade é muito maior. Inúmeros afegãos que chegaram inicialmente à Europa por outro país têm dificuldade para regularizar sua situação por causa da Convenção de Dublin (que obriga o candidato a pedir asilo no país europeu de chegada) e estão ilegais. Segundo associações de ajuda a imigrantes, cerca de 100.000 afegãos estão hoje na França, muitos deles em situação precária, sem-teto e morando nas ruas.

Visibilidade afegã

A presença afegã é visível na rua de la Chapelle, no 18° distrito de Paris, que tem vários restaurantes de comidas típicas do Afeganistão que atraem refugiados legais ou não.

O Afghan Best Food, que exibe na fachada a bandeira nacional tricolor retirada de todos os prédios públicos do Afeganistão pelos talibãs, foi aberto em 2019 por Amanullah Qudratullah, de 38 anos. Ele chegou à França há cinco anos com a mulher e os filhos fugindo dos fundamentalistas que mataram seu pai em 2014.

A fachada do restaurante Afghan Best Food, em Paris, com a bandeira nacional tricolor do Afeganistão.
A fachada do restaurante Afghan Best Food, em Paris, com a bandeira nacional tricolor do Afeganistão. © RFI/Adriana Brandão

Antes mesmo das explosões que atingiram o aeroporto de Cabul nesta quinta-feira (26), o dono do Afghan Best Food já estava desesperado. Mostrando no celular as imagens dos documentos da mãe, irmã, irmão e sobrinhos que estão no Afeganistão, ele pede ajuda. “Eles estão no aeroporto de Cabul tentando sair do país. Estou com muito medo. Minha família tem que deixar o Afeganistão. Os talibãs matam as pessoas e vão fazer o que quiserem depois de 31 de agosto, quando os americanos abandonarem o país”, alerta.

Amanullah Qudratullah fez há 4 dias um pedido para que as autoridades francesas retirassem sua família, mas até agora não teve resposta. “Não sei o que está acontecendo. Liguei, mas não tive resposta. Eu moro aqui, eu tenho o direito, é responsabilidade da França”, acredita o gerente do restaurante, afirmando que todos os clientes que frequentam o local têm família no país e estão tristes. “Por favor, faça o que puder para me ajudar”, pediu à reportagem da RFI.

Shirzaman Qudratullah, de 25 anos, que trabalha no Best Food, diz que com a chegada do Talibã ao poder “a situação ficou muito difícil. Os talibãs batem nas pessoas, ameaçam com pistola. Por isso tanta gente está chegando do país. Queremos trabalhar. No Afeganistão, milha família tem que ficar em casa, não tem trabalho, nada.”

Shirzaman Qudratullah funcionário do restaurante Afghan Best Food,
Shirzaman Qudratullah funcionário do restaurante Afghan Best Food, © RFI/Adriana Brandão

França encerra operações de retirada antes do dia 31 de agosto

O governo francês indicou que iria encerrar as operações de retirada de pessoas do Afeganistão neste final de semana, antes do prazo final de 31 de agosto estabelecido pelos americanos. Em entrevista à RFI, Didier Leschi, diretor-geral do Escritório Francês de Imigração e Integração (OFII), informou que ao todo “2.500 afegãos serão trazidos para a França”, mas ele não exclui a criação de um esquema posterior para remover as pessoas do país.

Didier Leschi negou que a França esteja escolhendo os candidatos ao exílio em função da classe social. “Essa polêmica é absurda. Além de afegãos que tem uma relação particular com a França, estamos trazendo pessoas - em particular mulheres, artistas e jornalistas - que são visadas pelo regime. Não é critério, mas prioridade”, justificou. “Espero que consigamos tirar todo mudo que corre risco.”

Há ainda as investigações para evitar o risco que terroristas sejam trazidos para o território francês, como o ocorrido na semana passada, quando um suspeito de envolvimento com o Talibã foi detido. Quem embarca em um voo para Paris é monitorado pelos ministérios do Interior e da Saúde e colocado em quarentena em um hotel antes de seguir para um centro de acolhimento enquanto o pedido de asilo é analisado. Os refugiados fazem curso de francês e são acompanhados pela Ofpra para facilitar a integração.

Imigrantes ilegais moram nas ruas

Quem chega pelas rotas ilegais do exílio tem que se virar. Um dos acampamentos tradicionais de imigrantes afegãos em situação irregular fica às margens do canal de la Villette, embaixo de uma ponte, entre Paris e Pantin (periferia norte da capital). Na manhã desta quinta-feira (26), um grupo de 10 refugiados ainda estava no local, alguns ainda dormindo. Confirmando as estatísticas, todos eram homens, muito jovens. Ninguém falava francês e os poucos que falavam inglês preferiram não dar entrevistas.

Acampamento de imigrantes afegãos em Paris.
Acampamento de imigrantes afegãos em Paris. © RFI/Adriana Brandão

A reportagem da RFI conseguiu conversar com refugiados afegãos em situação irregular em um dos restaurantes da Porte de la Chapelle, o Food House.

Ahmad Tahiri, de 25 anos, está na Europa há cinco anos e fala muito bem alemão*. Ele viveu quatro anos na Alemanha, trabalhando como mecânico, mas não conseguiu regularizar sua situação e veio para a França. “Alguém me falou que na França seria mais fácil: ‘é só morar no país durante um ano e aprender a língua — aí, você pode ficar’”, conta o imigrante que é natural de Herat.

Na capital francesa, ele dorme em um centro de acolhimento e passa o dia nas ruas enquanto aguarda o resultado de seu pedido de asilo. “O que me preocupa é a família. Eu não quero morrer porque tenho que ajudar minha família. Todo mundo quer sair do país, por medo dos talibãs. Mas na verdade, cada um tem uma opinião diferente. Tem os que apoiam o Talibã, outros que querem combatê-lo. Eu não tenho uma opinião porque nunca os vi no poder. Eu era criança, há 20 anos, quando eles governaram o país” pela primeira vez, lembra.

Os imigrantes afegãos Ahmad Tahiri (ao centro), Shafir Ahmad (esquerda) e Nasir Hashemi (direita).
Os imigrantes afegãos Ahmad Tahiri (ao centro), Shafir Ahmad (esquerda) e Nasir Hashemi (direita). © RFI/Adriana Brandão

Ao lado de Ahmad Tahiri estão os jovens Shafir Ahmad, de apenas 17 anos, e Nasir Hashemi, de 23, que acabaram de chegar a Paris. Eles fizeram uma das rotas clássicas do exílio afegão: Irã, Turquia, Grécia, Itália. Tahiri traduz a história do conterrâneo Shafir que acaba de conhecer: “Ele passou dois anos na Grécia. Ele chegou à França ontem, agarrado no chassi de um caminhão... chegou sem mochila, sem mala, sem nada!”

Shafir e Nasir não sabem ainda se querem ficar na França ou seguir para outro país europeu. Os dois são naturais do Vale do Panshir, onde a resistência afegã ao Talibã se organiza. Uma resistência que traz um pouco de reconforto a Ahmad Tahiri.

“Pelo menos, os talibãs ainda não chegaram lá. E nós queremos evitar que a guerra chegue até lá. O que a gente quer é tranquilidade. A política não está conforme ao Islã. É por isto que o nosso país está destruído. As tensões entre a política e a religião acabaram com o país. A política destruiu o nosso país. Nós não queríamos sair do país, mas sem trabalho, sem possibilidade de ajudar a família, a gente não tinha a escolha. (...) O povo não tem nem dinheiro nem trabalho. Fico preocupado com o nosso povo. Tem pobreza demais, tem fome demais. Não sei se devo rir ou chorar.”  

*A reportagem agradece a colaboração e tradução feita por Patrick Straumann

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