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Brasileira grávida que perdeu bebê após suposta agressão da polícia enterra a filha na França

A brasileira Débora A., de 23 anos, acusa a polícia francesa de ser responsável por seu parto prematuro aos 4 meses e meio de gravidez e pela morte da filha, em dezembro de 2020. Ela entrou na justiça, o corpo do bebê foi autopsiado e será enterrado nesta quinta-feira (21) em Garges-Lès-Gonesse, na periferia de Paris, onde mora. Débora concedeu uma longa entrevista à RFI.

A brasileira Débora A que perdeu o bebê e acusa a polócia de ter provocado o aborto. Na foto, ela grávida pouco antes da suposta agressão.
A brasileira Débora A que perdeu o bebê e acusa a polócia de ter provocado o aborto. Na foto, ela grávida pouco antes da suposta agressão. © Arquivo Pessoal
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Débora não quer revelar seu sobrenome. Ela mora na França desde os oito anos e nunca mais voltou ao Brasil, mas não tem nacionalidade francesa. Ela veio, junto com o irmão mais velho, morar com a mãe que já residia na periferia parisiense. O pai, com quem ela conversa pelo telefone, continua morando no Espírito Santo. Atualmente, ela está sem emprego, mas quer fazer uma formação para virar cabeleireira.

A jovem estava grávida pela primeira vez do namorado. A gravidez não foi planejada, mas era desejada. Ela relatou à RFI que estava preparando tudo para o nascimento, previsto para maio, e só soube o sexo do bebê “depois do parto”, diz emocionada.

Seu português é hesitante. “Desculpa, esqueci um pouco o português”, justifica, mas a denúncia é clara e grave. Débora diz ter sido jogada violentamente contra uma parede “três vezes” por uma policial que a abordou por não respeito do uso de máscara. A agressão aconteceu em 10 de dezembro de 2020, em um shopping de Garges-Lès-Gonesse, na periferia de Paris. Onze dias depois, ela perdeu o bebê.

Abordagem policial

O caso de Débora se soma a uma longa lista de denúncias de violência policial na França e interessou grande parte da imprensa francesa. A brasileira estava com Céline H., que ela chama de prima e na casa de quem ela mora, e uma amiga no centro comercial Arc-en-Ciel. Quando estavam saindo do local, um policial pediu “educadamente” que colocassem as máscaras. Mas uma outra policial resolveu multá-las porque “não suportava mais ver os jovens desrespeitando o uso de máscara”. Depois, afirmando que as jovens a teriam insultado, resolveu levar Débora e a prima para a delegacia. “A minha prima tinha me xingado porque eu estava andando na frente e acho que foi isso que a policial ouviu", pensa a brasileira.

Céline H., foi jogada no chão para ser algemada. Débora tentou defendê-la, mas foi empurrada. Imagens de vídeo mostram a intervenção da polícia. “Não entendia nada! Entrei em pânico porque a minha prima tem uma cicatriz na cabeça, fiquei com medo, tentei intervir, pedir a polícia para tomar cuidado, mas não me deixaram. A policial que tinha nos multado, pegou no meu braço e me jogou três vezes contra a parede. Gritei que estava grávida, mas ela não parou”.

A brasileira conta ainda que a mesma policial a sacudiu, exigindo desculpas. “Pedir desculpas por quê? Eu não fiz nada!”. Na delegacia, foi bem tratada e soube que não passaria a noite detida porque estava grávida. Mas a prima só foi liberada no dia seguinte. As duas foram indiciadas por ultraje e convocadas para uma audiência no dia 6 de julho de 2021. “Enquanto eu esperava para ser liberada, um policial me disse que a gente não tinha cara de bandido, que a gente parecia legal e justificou o ocorrido como uma ‘rivalidade entre mulheres’”.

Parto prematuro

Na mesma noite, Débora começou a sentir dores nas costas e na barriga. ““Não compreendi na hora o que estava acontecendo”. No dia seguinte, consultou um clínico geral e uma ginecologista, que constatou “um sangramento”, mas a mandou de volta para casa. Na noite seguinte, as dores pioraram muito, e ela foi hospitalizada no serviço de emergência de uma maternidade. O colo do útero estava aberto e a bolsa tinha descido para o canal vaginal.

“Eu tinha muita esperança porque o coração da minha filha batia, mesmo se os médicos dissessem que não tinha muitas chances, que era muito complicado”. A bolsa estourou no dia 19 de dezembro. “Minha filha ainda estava viva. O pé dela saiu. Cheguei a ver o pé dela mexendo”. No dia 21 de dezembro, o bebê nasceu morto.

A brasileira pode ficar um momento com a filha, “para se despedir”. O bebê foi registrado e recebeu o nome de Dijamila. Só depois que saiu do hospital, Débora foi à delegacia dar queixa contra a violência policial. Ela concedeu uma primeira entrevista sobre sua agressão ao jornalista independente Hahin-Hazamy, e o advogado Vincent Brengarth ficou sabendo do caso e começou a defendê-la.

Investigação independente

Para ele, a relação de causa e efeito entre a violência policial cometida em 10 de dezembro e a morte do bebê é coerente. “É um caso singular em relação a outros dossiês de violência policial. É a meu conhecimento a primeira vez que uma agressão policial provoca a morte de um bebê e em condições particulares. Não havia uma infração ‘clássica’, ou havia eventualmente uma contravenção ligada ao não respeito do uso da máscara. O uso de máscara não é natural e isso exige uma forma de discernimento da parte dos policiais. Essa brutalidade é algo de profundamente preocupante e anormal”, disse o advogado à RFI. Ele ressalta ainda que Débora, que tem apenas 1m 55 e 43 kg e ainda por cima estava grávida, “não representava uma ameaça para as forças de ordem”.

Por enquanto, apenas foi aberta uma investigação por “violência voluntária”. Mas Brengarth entrou com uma queixa na justiça “por violência tendo provocado uma mutilação ou uma enfermidade permanente por uma autoridade pública”. Com isso, ele visa “a abertura de uma investigação judiciária, isto é, a designação de um juiz independente da Procuradoria da República” que é responsável pelas forças de ordem. Esse inquérito criminal ainda não foi aberto e a policial pode pegar até 15 anos de prisão.

Débora começa a se recuperar. “Quando saiu do hospital, estava muito perdida. Não falava, não queria ver ninguém. Eu estava muito triste, mas graças a Deus agora consigo levantar a cabeça. Começo a melhorar. Agora, o que eu quero é justiça para a minha filha porque não é chorando que eu vou conseguir isso”, constata a brasileira que acredita em Deus e resolveu recentemente se converter à religião muçulmana. “Deus é um só. Existem três religiões, mas para mim a última é a que a gente tem que seguir. Mas é o mesmo Deus”, explica.

No entanto, Débora teme que a impunidade prevaleça. “O que eu quero é que essa policial seja despedida e não tenha mais direito de trabalhar no polícia francesa. Mas aqui na França, os policiais não vão para a prisão. Eu tenho a impressão que não vai ter justiça e que a polícia vai ganhar”, denuncia, mas garante que vai lutar até o final.

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