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“Acredito na meritocracia”, diz pesquisadora brasileira do Instituto Pasteur que vai receber a Legião de Honra na França

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Paulistana, filha de pais separados, Paola Minoprio nunca deu ouvidos às dificuldades para realizar seu grande sonho: integrar a academia científica francesa. No dia internacional da Mulher, a RFI ouviu a trajetória de sucesso da pesquisadora, a única brasileira concursada pelo renomado Instituto Pasteur, em Paris. Nessa entrevista, ela conta como conseguiu alcançar um lugar de destaque nesse centro de excelência em pesquisa biológica, onde as mulheres ainda são minoria em postos de comando.

A pesquisadora brasileira Maria Paola Minoprio
A pesquisadora brasileira Maria Paola Minoprio RFI
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Para assistir à entrevista na íntegra, clique no vídeo abaixo.

O Instituto Pasteur é uma fundação francesa dedicada ao estudo da biologia dos microorganismos, das doenças e das vacinas. A instituição leva o nome de seu fundador, Louis Pasteur, que em 1885 produziu a primeira vacina contra a raiva.

Com trabalhos reconhecidos no mundo inteiro, Paola Minoprio é chefe do laboratório de Processos Infecciosos Trypanosomatids, que entre outras doenças estuda a infecção causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi – mais conhecida como doença de Chagas.

“Eu sempre tive vontade de vir para a França por causa daquilo que eu conhecia dos livros, da excelência em pesquisa em parasitologia. Eu fui primeiro atrás do meu amor em ciência que era o schistosoma mansoni, causador da barriga d’água, cujo grande pesquisador Andre Capron era o maior especialista mundial. Então eu escrevi para ele, naquela época, dizendo que eu gostaria de trabalhar com ele e fui aceita”, lembra Paola Minoprio.

A viagem para a Europa só foi possível graças a uma outra mulher. “A minha mãe, uma grande mulher, divorciada, que trabalhou como costureira me manteve na França mandando uns poucos dólares para eu poder fazer o meu estágio no Instituto Pasteur de Lille, no norte da França e trabalhar com os vermes que me interessavam”, conta.

“Mas foi no meu mestrado, em São Paulo, que eu passei a estudar a doença de Chagas. Esse desafio me deu muito prazer, porque é uma pequena célula com um sistema muito complexo, e que me deu oportunidade, mais tarde, de dar continuidade às minhas pesquisas no Instituto Pasteur de Paris, onde fui concursada e estou até hoje”, explica.

Ordem Nacional da Legião de Honra

Por causa de seus trabalhos científicos, Paola Minoprio vai receber na próxima quarta-feira (11) a Légion d’honneur (Legião de Honra), a mais célebre condecoração concedida pela França.

“Eu não esperava. Nós mulheres passamos por inúmeras dificuldades para chegarmos onde queremos. O meu sonho sempre foi fazer pesquisa e dar aulas. E quando você está num país estrangeiro, você tem dificuldades em se afirmar. Eu tive dificuldades no princípio, apesar de ter sido muito bem recebida pelos franceses, mas tenho muita honra de representar hoje essa imagem de transmissão do saber pelo Instituto Pasteur, com as horarias que me serão acordadas brevemente”, afirma.

Paola Minoprio percorre o caminho já trilhado por outros ilustres brasileiros. Depois do próprio Carlos Chagas, médico e cientista brasileiro descobridor da doença de Chagas, há mais de um século, e do médico sanitarista, Oswaldo Cruz, que dá nome ao Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e que foi o primeiro brasileiro a estudar no Instituto Pasteur, agora é ela que representa o Brasil nessa famosa instituição.

“Para você ter uma ideia, no Pasteur nós somos muito mais mulheres do que homens. Entretanto, em cargos mais altos, é muito mais difícil ter mulheres e os homens são mais privilegiados, porque há um atraso quando as mulheres têm que se dedicar à família”, observa.

Mulheres na ciência

O currículo de Paola Minoprio reflete uma história de busca e superação. Ela tem mestrado em parasitologia pela Universidade de São Paulo e doutorado em Imunologia pela Universidade de Paris 6, na França. Foi bolsista de pós-doutorado em Seattle e Palo Alto, nos Estados Unidos, e desde 1984 atua como professora sênior do Instituto Pasteur.

“Eu acho que a mulher tem o espaço que ela merece ter. Eu sou muito a favor do mérito e eu acho que as mulheres reivindicam muito, algumas têm mais chances do que outras, e logicamente o fato de se casarem e ter filhos faz com que algumas delas deixem de lado um pouco a ciência para poder se dedicar mais à família, o que faz com que elas se atrasem”, analisa.

Ao olhar para trás, Paola Minoprio lembra das dificuldades na carreira não como obstáculos, mas como oportunidades para aprender.

“Obviamente que tive dificuldades. Na ciência, e especialmente em instituições de destaque como o Instituto Pasteur e outras instituições francesas que são centros de excelência, é muito difícil avançar porque você é sempre avaliada e é um meio muito competitivo. Mas eu acho que a mulher é capaz de tudo, ela trabalha em vários períodos, é só querer, ter fé e estudar muito”, aconselha.

Coronavírus

No Brasil, o grupo que ganhou destaque pelo sequenciamento do genoma do Covid-19 é liderado por mulheres. A equipe é chefiada pela pesquisadora da USP, Ester Sabino.

"Eu conheço muito a Ester Sabino, que inclusive ainda trabalha com doença de Chagas. Entretanto, é preciso dar destaque também ao pessoal do Hospital Albert Einstein, que primeiro sequenciou esses vírus, junto com o grupo da USP. Acho que é importante a Ester Sabino e sua equipe, assim como outras, se implicarem nessa pesquisa e a vontade de querer estar na frente de um sequenciamento como esse do coronavírus, que é importante mundialmente. Mas eu acho que devemos dar o mérito às diferentes pessoas”, diz.

No momento em que o coronavírus já contagiou mais de 100 mil pessoas em todo o mundo, a pesquisadora dá mais detalhes sobre a doença.

“Os morcegos têm vários coronavírus. Esse é um dos coronavírus que, por um acaso da natureza, teve uma pequena mutação e se transformou numa zoonose, ou seja, um patógeno transferido do animal para o homem. Foi isso que aconteceu. Essa mutação o permitiu se ligar às células do sistema respiratório humano e com isso se proliferar rapidamente, com uma virulência importante”, explica.

“Eu não sou especialista de coronavírus, eu coordeno a plataforma científica Pasteur/ Universidade de São Paulo, onde temos excelentes pesquisadores que estão envolvidos no estudo do Covid-19 e que são mais gabaritados do que eu para tratar desse assunto”, admite.

“Mas eu tenho que dar reconhecimento aos governos da França e do Brasil por estarem na frente de maneiras de prevenção absolutamente memoráveis. Hoje nós não temos o conhecimento necessário para descrever os mecanismos que levam à doença, mas temos algumas noções de porque os mais idosos são mais sensíveis, mas o que devemos dizer é que a melhor maneira de prevenção é a higiene pessoal, como já dizia Louis Pasteur”, acrescenta.

“Eu acredito que, como outras viroses, nós vamos passar por isso. Já vivemos outras como SARS e H1N1. São gripes mais ou menos severas e eu tenho certeza que temos as competências necessárias para superar isso”, acredita.

Instituto Pasteur no Brasil

Depois de décadas na França, Paola Minoprio está de malas prontas para voltar para casa, onde vai liderar a implementação do Instituto Pasteur no Brasil.

"O projeto começou em 2015 e foi lançado pelo Instituo Pasteur de Paris para juntar os nossos parceiros brasileiros nesta iniciativa. Nós temos a Fiocruz, que é um parceiro histórico do Pasteur, e a Universidade de São Paulo, que é um centro de excelência em ciências biológicas. Esse projeto se baseia em dois sites: um em São Paulo, dentro da USP, e outro que será instalado futuramente numa das unidades da Fiocruz, provavelmente no norte do país, no Ceará. Em São Paulo temos uma plataforma de 1.700 metros quadrados destinada ao estudo de doenças emergentes, como zika, dengue e influenza, da gripe. Já recebemos os nossos equipamentos e devemos iniciar as atividades no próximo mês”, anuncia.

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