Cardeal publica provas da coautoria de Bento 16 em livro polêmico sobre celibato
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Trechos do livro de autoria de papa emérito Bento 16 e do cardeal Robert Sarah, publicados pelo jornal francês Le Figaro, causaram forte polêmica na Itália. A obra, que será lançada nos próximos dias, coloca em xeque a recomendação do Sínodo da Amazônia para a ordenação sacerdotal de homens casados na região. Após Joseph Ratzinger ter rejeitado a coautoria do livro, o religioso africano publicou, na noite de segunda-feira (13), provas da colaboração do papa emérito.
Correspondente da RFI em Roma
"Ataques parecem insinuar uma mentira de minha parte. Essas difamações são de uma gravidade excepcional. Dou, desde essa noite, as primeiras provas da minha próxima colaboração com Bento 16 para escrever esse texto em favor do celibato", publicou no Twitter o cardeal guineense Robert Sarah. No post, o religioso mostra uma foto de textos assinado pelo papa emérito.
Des attaques semblent insinuer un mensonge de ma part. Ces diffamations sont d’une gravité exceptionnelle. Je donne dès ce soir les premières preuves de ma proche collaboration avec Benoît XVI pour écrire ce texte en faveur du célibat. Je m’exprimerai demain si nécessaire. +RS pic.twitter.com/L8Q6NmkXKE
Cardinal R. Sarah (@Card_R_Sarah) January 13, 2020
Na madrugada de terça-feira (14), o jornal italiano Corriere della Sera publicou informações de “próximos" a Bento 16. Segundo elas, Ratzinger teria considerado o futuro lançamento do livro "Des profondeurs de nos coeurs" (Do fundo dos nossos corações, tradução livre), da editora francesa Fayard, como uma “evidente operação midiática". "O papa emérito se exclui e não tem nenhuma participação” no lançamento da obra, afirma a fonte anônima.
O editor do livro, Nicolas Diat, também veio a público para declarar que o religioso alemão não aprovou o texto final nem a capa do livro, assim como não autorizou o termo “escrito a quatro mãos” utilizado para a divulgação. Por isso, a impressão do texto será modificada e a assinatura de Ratzinger será utilizada somente nas contribuições que fez à obra.
Descumprimento de promessa
A imprensa italiana classifica o livro como "chantagem, golpe baixo e decisão política". Segundo os jornais do país, perto de completar 93 anos, o papa emérito não cumpriu sua promessa de não interferir nos rumos da Igreja Católica após a sua renúncia, em 2013 – a primeira em 700 anos.
HuffPost questiona o fato de Ratzinger ter assinado o livro com o nome pontifício. “Esta armadilha alimenta a percepção da existência de dois papas, de duas autoridades, terminando por relativizar ainda mais a fé, sobretudo aquela popular, sobre argumentos que tocam diretamente a disciplina da religião católica. É um golpe baixo de Ratzinger justamente quando está para ser publicada a Exortação apostólica do Sínodo da Amazônia”. HuffPost defende ainda que o nome “Bento 16 pode ser citado por aquilo que escreveu e disse enquanto era pontífice, assim como se faz com seus predecessores mortos”.
La Stampa também concorda que o livro chega em um momento crucial para manipular os debates acerca do celibato sacerdotal. “Parece evidente que o objetivo de fundo seja orientar as discussões em vista da publicação da Exortação pós-sinodal. Provocará discussões o fato que o papa emérito, aos 92 anos e calejado de especulações sobre a Sé Vacante, tenha escolhido escrever um livro justamente com um aclamado cardeal do fronte ultra-tradicionalista”, publica o diário.
Sarah, um dos principais opositores do papa Francisco
Não por acaso o co-autor do livro é o cardeal Robert Sarah, um dos principais opositores do papa Francisco. Na campanha aberta para o próximo conclave, ele é o candidato ideal da oposição: africano, conservador e um dos mais tenazes opositores às reformas de Bergoglio.
Para Il Fatto Quotidiano, o livro “é um drone letal lançado sobre as reformas de Bergoglio". "Não é um cisma, é uma chantagem. Os argumentos teológicos ficam em segundo plano com a decisão político-ideológica de apresentar uma eventual inovação de Francisco como destruição da essência do sacerdócio católico celibatário, de acordo com a tese que defende um laço ‘ontológico’ entre celibato e sacerdócio”, sublinha o jornal. Il Fatto conclui: "É a crise de poder mais grave do pontificado bergogliano. Nesta guerra civil no interno da Igreja, espera-se a próxima cartada de Francisco”.
Já para o diretor editorial de Vatican News, Andrea Tornielli, o livro nada mais é do que “uma contribuição sobre o celibato sacerdotal em filial obediência ao papa”. Ele afirma ainda que a posição de Francisco sobre o celibato é conhecida: “o celibato sacerdotal jamais foi um dogma. Trata-se de uma disciplina eclesiástica da Igreja latina, que representa um dom precioso, definido deste modo por todos os últimos pontífices”, conclui.
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