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Europa relembra os 20 anos do euro; moeda única consolidou projeto de união no bloco

Adeus aos marcos, francos, liras ou pesetas. Em 1º de janeiro de 2002, três anos depois de seu nascimento oficial, os habitantes de 12 países europeus puderam, finalmente, ter euros nas mãos e nas carteiras.

Obra do artista alemão Ottmar Hörl homenageia o euro no Banco Central Europeu, com sede em Frankfurt. (13/01/2014)
Obra do artista alemão Ottmar Hörl homenageia o euro no Banco Central Europeu, com sede em Frankfurt. (13/01/2014) Daniel Roland AFP/Archivos
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"Café, croissant, baguete e flores: os franceses estreiam o euro nos pequenos comércios, com grande curiosidade", relata uma matéria da AFP no dia da estreia, há duas décadas. "Alguns foliões fizeram do saque de euros um dos atrativos de sua festa, para tocar na nova moeda o mais rápido possível. Cerca de 450.000 saques em dinheiro foram registrados na madrugada da virada nos caixas eletrônicos. Em frente a uma dessas máquinas, uma mulher olhava para sua nota: 'Há um ano que eu esperava por isso. Podemos, enfim, tocar neles (os euros)’”, prosseguia o texto.

Na Itália, onde o então governo de Silvio Berlusconi se dividia em relação à moeda única, filas intermináveis se formavam em bancos, correios e bilheterias das estações de metrô. A polícia intercedia, quando a situação se encrespava. Em Nápoles, foi disponibilizado um número gratuito, o "SOS euro", para que os consumidores italianos pudessem relatar erros e abusos na conversão da nova moeda.

Em Atenas, no mercado central, um bairro popular localizado aos pés da Acrópole, o drama continuava dominando os negócios em 3 de janeiro. "Podem ficar com a moeda bárbara de vocês", disse um açougueiro, à reportagem.

Uma nota de 50 euros
Uma nota de 50 euros Reuters /Dado Ruvic

Arredondamentos para cima

Na Espanha, as famosas lojas de "tudo a 100 pesetas" (0,60 euro) passaram rapidamente a "tudo a um euro". Na maioria dos 12 países, as histórias de "arredondamentos" exagerados se multiplicavam. No Vaticano, a "bênção papal" em um pergaminho passou de 5.000 liras para € 3, quase meio euro a mais. A entrada para os museus do Vaticano e para a cúpula da Basílica de São Pedro também ficaram mais caras. A Comissão Europeia garantiu, porém, que "nenhum excesso geral de preços foi encontrado” no bloco.

O então presidente do Banco Central Europeu, o holandês Wim Duisenberg, utilizou sua própria experiência para tentar convencer os cidadãos. "Quando comprei um Big Mac esta semana, acompanhado de 'shake' de morango, custou € 4,45, ou seja, exatamente o preço que paguei por este mesmo lanche em marcos alemães”, comentou, à época.

Corrida por euros

No final daquela primeira semana, o principal problema era a escassez de moedas e os pequenos cortes no fornecimento de cédulas em vários países. Na Holanda, exemplar da mudança para o euro, supermercados e postos de gasolina sem dinheiro em espécie decidiram, por alguns dias, voltar a devolver o troco em florins.

Na França, o governo reconheceu ter ficado surpreso com "a pressa dos franceses em se livrar de todos os seus francos em poucos dias": das notas de maior valor "escondidas debaixo do colchão" às "moedas guardadas no cofrinhos das crianças”. Para não perturbar o sistema, as autoridades bancárias pediram aos franceses que não comprassem "sua baguete com uma nota de 500 francos", o equivalente a mais de € 75.

Apesar destes percalços iniciais, os primeiros passos das notas e moedas de euro pelas mãos de mais de 300 milhões de europeus são amplamente celebrados como um sucesso. "Nem mesmo o lendário apego dos alemães ao seu marco resistiu à febre", dizia a AFP em 5 de janeiro.

"Estou convencido de que 1º de janeiro de 2002 ficará nos livros de história de todos os nossos países como o início de uma nova era na Europa", afirmou o entusiasmado Wim Duisenberg, apelidado de "pai do euro".

Concorrência com o dólar não foi vencida

Quando milhões de europeus de 12 países trocaram suas moedas nacionais pela europeia, o então presidente francês, Jacques Chirac, declarou que a Europa estava "reivindicando sua identidade e seu poder". Hoje, a zona do euro conta com 19 integrantes.

Para os promotores mais entusiastas do projeto, o euro não era apenas um passo promissor para a unidade europeia, mas também estabelecia uma rivalidade com os Estados Unidos e o poderoso dólar.

Mas, 20 anos depois, não há dúvida de que o dólar reina, de forma avassaladora, como um refúgio internacional. Quando a propagação do coronavírus paralisou a economia mundial, o valor do dólar disparou, já que os investidores recorreram à segurança da única moeda que é, de fato, global.

Mais de US$ 2,1 trilhões estão hoje em circulação, e cerca de 60% das reservas cambiais dos bancos centrais estão em dólares. O percentual do euro beira os 20%, segundo o Banco Central Europeu (BCE). Ainda assim, mesmo que não represente uma ameaça direta à hegemonia do dólar, a moeda única europeia é uma concorrente respeitável.

Modelo alemão

O euro é fruto de um doloroso compromisso entre os dois motores da União Europeia: a Alemanha abandonou seu querido marco em reconhecimento ao apoio dado pela França à reunificação alemã, após a queda do Muro de Berlim.

No início, as regras do Banco Central Europeu sobre o euro seguiram uma linha claramente alemã, na qual a estabilidade e evitar a inflação eram as únicas prioridades. Fazer do euro uma moeda internacional líder "pode ter sido a visão francesa, mas, certamente, não era a do público alemão", disse Guntram Wolff, diretor do Bruegel, um "think tank" de Bruxelas.

"Quando o BCE começou a operar, fez isso seguindo o modelo do Bundesbank, o que significa, basicamente, ser neutro nessa questão", acrescentou Wolff.

De todo modo, o sonho ruiu pela crise da dívida da zona do euro. No seu 10º aniversário, a moeda lutava pela sobrevivência.

Resposta a Trump

A ideia de promover o euro como instrumento de poder voltou à tona com a chegada de Donald Trump à Casa Branca. Quando Trump abandonou o acordo nuclear com o Irã, as empresas que haviam investido naquele país se viram ameaçadas por represálias norte-americanas.

A União Europeia preparou uma estratégia legal para manter as empresas europeias longe de possíveis sanções de Washington. O plano fracassou, porém, porque as empresas tremeram diante da ideia de desafiar Washington e do amplo alcance do dólar.

Irritados, os líderes europeus pediram à Comissão Europeia que trabalhasse para compensar o uso do dólar como arma. O órgão executivo apresentou algumas ideias em janeiro, mas não uma proposta legislativa.

Uma autoridade europeia a par do debate garantiu que, com a saída de Trump, o tema perdeu importância. E, de toda a forma, "quando se fala do papel internacional do euro, fala-se de tudo e de nada ao mesmo tempo".

"Todos estão de acordo com o princípio de que o euro deve ter um papel maior no mundo, mas onde surgem divergências é sobre como chegar lá", explicou.

A maioria concorda em que o ingrediente mágico que falta é um ativo seguro, um equivalente europeu aos títulos do Tesouro norte-americano que, desde a Segunda Guerra Mundial, têm sido o refúgio global dos investidores em mercados tempestuosos.

A alta demanda por títulos europeus para ajudar a pagar o enorme fundo do bloco para a recuperação pós-pandemia fortaleceu ainda mais esse argumento. O tema está, no entanto, fora de questão para países como Alemanha, ou Holanda, que temem acabar pagando empréstimos que beneficiam Estados endividados como França, Espanha, ou Grécia.

Para Wolff, do instituto Bruegel, não se pode alegar que um Eurobônus "ajudaria". O melhor para o euro, afirma ele, seria uma economia produtiva. "Se você tiver uma economia dinâmica, o investimento internacional virá para a Europa, e isso vai fortalecer o euro como moeda", defendeu.

Com informações da AFP

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