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Jean-Luc Godard: a despedida da última onda da Nouvelle Vague

Jean-Luc Godard morreu nesta terça-feira (13), aos 91 anos. O franco-suíço, diretor e roteirista de “Acossado” e “O Desprezo”, pioneiro da Nouvelle Vague, foi o último grande nome ainda vivo do movimento mais famoso do cinema francês. Ele não gostava do título de cineasta, preferia o de crítico, num dos inúmeros desvios tão característicos desse artista cuja imagem se tornou inseparável dos charutos e óculos escuros.

O cineasta e roteirista franco-suíço Jean-Luc Godard, um dos principais nomes da Nouvelle Vague (ou Nova Onda) do cinema francês, morreu nesta terça-feira aos 91 anos.
O cineasta e roteirista franco-suíço Jean-Luc Godard, um dos principais nomes da Nouvelle Vague (ou Nova Onda) do cinema francês, morreu nesta terça-feira aos 91 anos. REUTERS - Christian Hartmann
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Por Léopold Picot

Para as gerações nascidas depois de 1990, Jean-Luc Godard foi o arquétipo personificado do artista do pós-guerra: um linguajar arcaico, reflexões que flertam com a masturbação intelectual e um estilo próprio inimitável de reflexo rápido e desiludido.

Em inúmeras imagens de arquivo ele aparece fumando um charuto no meio de uma entrevista na TV, as pernas cruzadas no meio de um discurso reflexivo, tudo característico dele próprio. Isso porque Jean-Luc Godard tratou sua vida e as sociedades que o cercavam como seus próprios filmes: com um olhar crítico, entre a impertinência e a rejeição.

Crítico sempre

“Não sou cineasta, sou crítico: continuo a fazer filmes como crítico. [...] Quando filmo, estou em estado crítico e, portanto, tenho uma função crítica automática. O microscópio é um instrumento crítico da realidade”, explicou em conversa com o jornalista Christian Defaye, em 1990.

A função de crítico de cinema foi seu primeiro trabalho remunerado, depois de uma rápida passagem como cinegrafista na televisão, que terminou em um furto denunciado à polícia – Godard tinha tendência à cleptomania. Em 1952, com apenas 22 anos, escreveu resenhas para a revista Cahiers du Cinéma, publicação que ainda não havia completado seu primeiro aniversário.

Depois de uma série de curtas-metragens, ele se lançou em longas, com “Acossado” (1959). “À Bout de Souffle”, título do filme, é uma explosão densa, detonada por um ator desconhecido do público, cujo ritmo só se acalma ao filmar o amor. Jean-Paul Belmondo, que Godard tinha encontrado alguns anos antes e já aparecera em um curta-metragem, “Charlotte et Son Jules”, irrompe na tela. Ele será sua inspiração para três filmes, que serão o bastante para impor tanto o ator, quanto o diretor, no território do cinema francês.

No entanto, foi "Bébel" [como era conhecido Belmondo entre amigos] quem se recusou a trabalhar para o cineasta quinze anos depois, por medo de que as fantasias cinematográficas de Godard estigmatizassem sua carreira de ator.

O cineasta também foi criticado, muitas vezes com benevolência, às vezes de forma intensa, por sua aparente casualidade nos sets de filmagem, sua ruptura concreta com as convenções e seu caráter ultrajante e calculado. Seu engajamento político também o afastou por um tempo do circuito cinematográfico clássico.

A burguesia revolucionária

Em plena revolução social dos anos 1960, entre a luta contra a Guerra do Vietnã nos Estados Unidos e Maio de 1968 na França, Jean-Luc Godard se vê querendo desenhar o mundo que está fraturado. Envolveu-se na revolta estudantil parisiense, depois viajou pela Tchecoslováquia em 1969, um ano depois da Primavera de Praga, onde filmou “Pravda”. Godard também dissecou a sociedade capitalista britânica em “British Sounds”, questionando o lugar das mulheres e o da consciência de classe.

Após esse período muito engajado politicamente, a origem burguesa de Godard foi sistematicamente discutida. Nascido em uma família abastada de Paris, ele defendia suas origens, como em entrevista a Darius Rochebin para a Radio Télévision Suisse (RTS), em 2014: "Era uma burguesia iluminada, aberta, com um grande amor pela literatura. [...] Tive uma boa e uma má educação, algo que me ajuda a ser mais livre hoje... Em certos aspectos, acho os jovens de hoje menos livres do que eu era, no meio da ausência de liberdade naquela época.”

Godard nunca deixou de acompanhar a evolução do cinema como um todo, sem perder o olhar crítico. Aquele que filmou a realidade sem subterfúgios, preferindo a rua e o ar livre a estúdios e sets, chegou até a filmar em 3D, mas sempre de maneira crítica.

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