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Bienal de Lyon

"Eu quis homenagear o Brasil, um grande país da modernidade", diz curadora

Se o Brasil perdeu um pouco de brilho nos últimos tempos na cena internacional, com as turbulências politicas e a crise econômica, o mesmo não aconteceu no setor das artes plásticas.É o que constatamos na 14ª Bienal de Arte Contemporânea de Lyon, na França, uma das cinco maiores do mundo, onde a presença brasileira é de peso: quatro artistas de diferentes gerações do país foram selecionados para essa edição que propõe um diálogo entre a arte moderna - que revolucionou o século 20 - e a arte contemporânea.

Emma Lavigne: curadora da Bienal de Lyon.
Emma Lavigne: curadora da Bienal de Lyon. ©Manuel Braun
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Com o título “Mundos Flutuantes”, a Bienal, convida o visitante a uma viagem sensorial, contemplativa, sonora ou tecnológica pelas esculturas, pinturas, instalações, fotografias ou vídeos de mais de 100 artistas do mundo inteiro, expostas em três lugares principais, além de centenas de manifestações paralelas que vão ocorrer na região até janeiro de 2018.

O Brasil é bastante prestigiado com as obras de Lygia Pape – que nos anos 50 se tornou uma das primeiras performers do país (ela morreu em 2004) - Cildo Meirelles, cujas imensas instalações fazem parte das coleções dos maiores museus do mundo e dois nomes muito em voga no cenário artístico atual: a mineira Rivane Neuenschwander e o carioca Ernesto Neto. Neto é, alias, um dos artistas mais em evidência nessa Bienal, ocupando um grande espaço no Museu de Arte Contemporânea de Lyon, com 4 instalações.

Artistas brasileiros, transmissores entre a modernidade europeia e a arte contemporânea

Para conceber essa edição da Bienal, a segunda de uma trilogia sobre o conceito de “moderno”, a curadora e historiadora da arte, Emma Lavigne, explorou a herança deixada por grandes artistas do século passado aos criadores contemporâneos. Ela sublinhou o papel dos brasileiros nessa “transmissão”:

“Eu quis homenagear o Brasil que foi um grande país da modernidade na arte, com o conceito de antropofagia que digeriu a herança da modernidade europeia para transformá-la, abri-la ao corpo, ao meio ambiente, à natureza. Era importante para mim contar com artistas que foram transmissores entre a modernidade e a arte contemporânea” – resume Lavigne.

Partindo desse conceito, três obras de Lygia Pape (1927-2004) figuram na seleção: o vídeo Divisor (1968), onde vemos um imenso tecido, que encobre dezenas de pessoas, criando um corpo coletivo; a instalação Luar do Sertão (1995), um “chão” de pipocas iluminado por uma luz fosforescente, e New House (2000), uma casa em destruição, que começa a ser “invadida” pelo meio ambiente em volta dela. “Lygia trouxe uma forma de vida e sensualidade às formas herdadas do modernismo europeu” – diz a curadora.

Ernesto Neto ganha uma das maiores salas do MAC Lyon, com 4 instalações de 2007 (Two Columns for One Bubble Light, Three Stops for an Animal Architecture under Gravity, Minimal Surface of a Body Evolution on a Field e Stand up, Speaker up, See up. As obras “dialogam” com esculturas do francês Jean Arp (1886-1966) e com um imenso mobile de Alexander Calder (1898-1976). “Eu quis ressaltar essa herança do moderno na obra de Neto, que ele transcende completamente” – observa Emma Lavigne.

Obra do artista Ernesto Neto na Bienal de Lyon.
Obra do artista Ernesto Neto na Bienal de Lyon. © Blaise Adilon

Da mesma geração de Neto, a mineira Rivane Neuenschwander apresenta Batalha, uma obra bem interativa, onde ela convida os visitantes a colocarem num quadro de feltro, com um alfinete, palavras colhidas em manifestações de protesto no Brasil e na França bordadas em etiquetas de roupas. Fora do contexto, as palavras de revolta, podem se transformar em poesias.

Cildo Meireles, artista carioca consagrado no mercado internacional, participa com Babel, que ele apresentou pela primeira vez em 2001 no Museu de Arte Contemporânea de Helsinque: uma torre de 5 metros de altura formada por velhos aparelhos de rádio empilhados, todos ligados, provocando uma cacofonia. Classificando-a de “torre da incompreensão, Cildo faz uma metáfora da situação política e social do país.

Mundos Flutuantes Cildo Meireles com Babel (2001)
Mundos Flutuantes Cildo Meireles com Babel (2001) ©Agomstino Osio © Cildo Meireles

Dimensão política e simplicidade

Mas qual é o fio condutor que une esses 4 artistas brasileiros selecionados para a Bienal? Emma Lavigne responde: “Todos esses artistas colocam a liberdade no centro de suas formas, todos têm uma dimensão politica e um talento extraordinário. Eles mostram realmente uma capacidade em expressar uma visão do mundo a partir de elementos que fazem parte da nossa vida cotidiana, que têm uma forma de simplicidade e por isso essas obras são muito belas”.

Piscina azul, onde cumbucas de porcelana se entrechocam com ligeireza. Céleste BOURSIER-MOUGENOT
Piscina azul, onde cumbucas de porcelana se entrechocam com ligeireza. Céleste BOURSIER-MOUGENOT ©Isabella Matheus © Céleste Boursier-Mougenot

Essa edição da Bienal de Lyon ocorre em três locais principais: o Museu de Arte Contemporânea de Lyon, o MAC Lyon, a Sucrière (uma antiga usina de açúcar transformada em centro de arte) e no Dôme, uma cúpula geodésica, ícone da arquitetura futurista de autoria do arquiteto e artista visionário americano Richard Buckminster Fuller, instalada no centro de Lyon, que abriga uma instalação sonora de grande expressividade: uma piscina azul, onde cumbucas de porcelana se entrechocam com ligeireza, provocando uma musicalidade zen impressionante. Esta obra chamada Clinamen v 2 é do francês Céleste Boursier-Mougenot.

O título Mundos Flutuantes se inspira na globalização galopante, na aceleração de fluxos conectados, na instabilidade do planeta, que inspira os artistas contemporâneos e os questiona sobre suas relações com a natureza. E liberdade de criação parece a palavra de ordem: o argentino Tomas Sarraceno expõe uma impressionante aranha viva numa sala escura que tece a sua teia sob um raio de luz. “Uma analogia com a estrutura do universo” – sugere ele.

O catalão radicado no Rio de Janeiro, Daniel Steegmann Mangrané, fascinado pela floresta tropical, traz para Lyon um espécie de viveiro de insetos, numa redoma de vidro, onde diversos bichos-pau se confundem com galhos e folhas intrigando os espectadores que navegam entre o animal e o vegetal que se confundem. Essa obra questiona a noção de movimento e perceção. “Esses bichinhos se camuflam tão bem, que é uma maneira de se esconder no mundo. E as artes plásticas também representam uma maneira que nós temos de nos dissolvermos no nosso ambiente” – disse ele à RFI.

Daniel Steegmann Mangrané: redoma de vidro, onde diversos bichos-pau se confundem com galhos e folhas
Daniel Steegmann Mangrané: redoma de vidro, onde diversos bichos-pau se confundem com galhos e folhas RFI

“Quando tudo começa a flutuar, surge uma energia apaixonante” diz a curadora Emma Lavigne sobre a motivação dos artistas presentes nessa edição. A Bienal de Lyon cujo orçamento total chega a € 6 milhões deve atrair até 7 de janeiro de 2018 cerca de 250 mil visitantes, trazendo benefícios expressivos a Lyon e às cidades da região.

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