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Bolsonaro acha que Meio Ambiente é ‘coisa de comunista’, mas ecologia brasileira nasceu com militares, diz Alfredo Sirkis

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Premiado por “Os carbonários”, best-seller autobiográfico que escreveu em 1980 e que lhe rendeu o Prêmio Jabuti do ano seguinte, o escritor e jornalista carioca Alfredo Sirkis lança agora “Descarbonário” (ed. UBOOK), tendo como fio condutor, dessa vez, as mudanças climáticas, e trazendo um balanço da política no Brasil. Um dos fundadores do Partido Verde (PV), Sirkis comenta os altos e baixos da causa ambiental no Brasil dentro de uma perspectiva histórica, analisa a “onda verde” na França e denuncia a “profunda ignorância” do presidente brasileiro sobre o assunto.

Alfredo Sirks, conhecido ambientalista e ex-deputado, que está lançando no Brasil seu ultimo livro, "Descarbonário".
Alfredo Sirks, conhecido ambientalista e ex-deputado, que está lançando no Brasil seu ultimo livro, "Descarbonário". © Captura de tela
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RFI: Gostaria que você começasse comentando a “Onda Verde” que varreu as eleições municipais na França esta semana, entronizando prefeitos de cidades-chave francesas do Partido Ecologista, ou com uma coligação definitiva com políticos ligados à ecologia, como foi o caso da prefeita de Paris, Anne Hidalgo, reeleita para mais seis anos à frente da capital francesa. A ecologia é o futuro da esquerda?

Alfredo Sirkis: Pelo menos tem sido um tema crescente na França, e não é a primeira vez que os verdes são bem-sucedidos em uma eleição francesa.  Houve um pleito europeu em que eles conseguiram muitas cadeiras, os verdes já fizeram parte do governo do [ex-premiê Lionel] Jospin, então houve sempre uma oscilação entre os verdes na França. É de se esperar que eles tenham ganhado em maturidade e implementação local. Essa vitória se dá na esteira de gestões bem-sucedidas, como foi a de Grenoble [leste]. Penso que os verdes são talhados principalmente para a gestão local. Você pode pensar globalmente, mas agir localmente. Há um avanço das ideias da Ecologia e da sustentabilidade dentro de todo o espectro político.

RFI: Por que, na sua opinião, o movimento ecologista nunca conseguiu uma projeção muito grande no Brasil, apesar da existência de figuras como a Marina Silva?

AS: Por causa dos graves erros que cometeu. Coordenei a campanha da Marina em 2010, foi um momento grandioso, foram 20 milhões de votos, 20% dos eleitores. Nem os verdes franceses tiveram isso, 20% numa eleição presidencial. O Partido Verde (PV) conseguiu se autoexplodir por causa da burocracia interna fisiológica, logo depois das eleições, 2011? Começaram a hostilizar a Marina Silva dentro do partido. O PV ainda tem alguns ambientalistas, como o Eduardo Jorge, mas a burocracia do partido, o aparato, são dominados por cidadãos que pensam, basicamente, no próprio bem-estar. O atual partido da Marina, a Rede, é um partido muito confuso, com um vasto espectro de pessoas que vão desde o segmento evangélico conservador até uma extrema esquerda quase black block. Tudo gira em torno da figura carismática da Marina, que cometeu erros e perdeu espaço até obter esse resultado triste que ela teve nas eleições passadas. Eu mesmo não votei nela. Votei no Ciro Gomes, apesar das críticas enormes que tenho a ele, porque achei que Bolsonaro fosse ganhar se fosse para o segundo turno com o PT, mas ele também não dá a menor importância ao Meio Ambiente. O PV se tornou um grupelho fisiológico, assim como a Rede. Era necessário começar juntando os dois, e tentar voltar ao ponto de ruptura, no ano de 2010.

RFI: Em relação às atitudes do governo Bolsonaro, o presidente francês Emmanuel Macron já disse que talvez não ratifique o acordo de livre comércio Mercosul-União Europeia, houve os cortes no Fundo Amazônia, há o boicote de produtos brasileiros e inclusive um projeto de lei sendo discutido na França para taxar com imposto carbono produtos oriundos de culturas que não respeitam o Meio Ambiente. A pressão internacional pode contribuir para asfixiar o governo Bolsonaro, ou apenas prejudica brasileiros que, por exemplo, se beneficiavam do Fundo Amazônia?

AS: A pressão internacional é sempre importante, sobretudo quando ela se exerce sobre a exportação do chamado agrobusiness. O desmatamento recente é quase todo ilegal. Ele é feito não para expandir atividades agrícolas, mas numa especulação de terra por grileiros que vão se apossando de áreas de floresta. Colocam um ou dois bois ali para marcar a “posse”, na esperança de serem legalizados, por este projeto de lei que tramita no Congresso. Na verdade, são grileiros, ladrões de terra por um lado, e por outro lado são os garimpeiros. O preço do ouro está subindo e eles estão invadindo massivamente as terras indígenas. Hoje temos 20 mil garimpeiros em terras dos índios Ianomâmis. Os garimpeiros poluem os rios com mercúrio, passam Covid-19 para os indígenas. A gente sabe o quão mortal pode ser uma epidemia para o modo de vida dos indígenas. Dos milhões de índios brasileiros que morreram, foi muito mais por epidemia do que por assassinato direto. Isso é assassinato indireto.

RFI: E garimpeiros e grileiros contam com a adesão e a simpatia do presidente brasileiro Jair Bolsonaro...

AS: Totalmente, essa é a questão. Temos tido choques ambientais em praticamente todos os governos. Tínhamos críticas ao FHC, ao Lula, à Dilma, mas sempre mantivemos diálogo com eles. No caso [do Lula], a Marina era ministra, havia coisas que ela não poderia fazer [de dentro do governo]. Era uma postura de criticar, dialogar e propor. No caso do Bolsonaro é diferente. Estes interesses estão mais ativos do que nunca, mas existe um outro componente que é o idiossincrático: o Bolsonaro odeia o Meio Ambiente, odeia os ecologistas, odeia quem se preocupa com o assunto, e se identifica com o grileiro, o desmatador e o garimpeiro. Ele tem uma “alma de bandeirante”, aquelas expedições que entravam na mata para procurar pedras preciosas e matar os índios. Essa é a mentalidade. Para ele, a questão ambiental está dentro da caixinha do “comunismo”. Ele acha que foram os “comunistas” que inventaram “esse negócio”. Mal sabe ele que os grandes pioneiros do ambientalismo no Brasil foram o Marechal Cândido Rondon, o Major Archer, que fez o maior reflorestamento da história do mundo urbano, o Almirante Ibsen, todos militares. A concepção do Bolsonaro existe dentro da profunda desinformação e ignorância, e daquela postura resumida pela piada brasileira que diz “não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe”.

"Descarbonário", de Alfredo Sirkis: ubook.com/descarbonario .

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