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Projeto brasileiro denuncia destruição do Cerrado em Festival Internacional de Jardins na França

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A pandemia de coronavírus adiou mas não impediu a realização da 29ª edição do conceituado Festival Internacional de Jardins de Chaumont-Sur-Loire, que acontece neste momento na França. Entre os 24 jardins selecionados este ano está o projeto “Piro Paisagem” ou “Paisagem de Fogo”, idealizado pelo arquiteto brasileiro Carlos Teixeira.

O jardim "Piro Paisagem" ou "Paisagem de Fogo" no Festival Internacional de Jardins de Chaumont-Sur-Loire.
O jardim "Piro Paisagem" ou "Paisagem de Fogo" no Festival Internacional de Jardins de Chaumont-Sur-Loire. © Eric Sander
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A edição 2020 do Festival Internacional de Jardins de Chaumont, organizado em um dos belos castelos do Vale do Loire, na França, representa uma dupla surpresa para o arquiteto mineiro Carlos Teixeira. Primeiro, o projeto Piro Paisagem, feito em parceria com a Daila Coutinho e Frederico Almeida, do escritório Vazio, foi um dos vencedores, em dezembro de 2019, do concurso internacional que selecionou os participantes para esta edição.

O evento, que este ano tem como tema o “Retorno à Terra-Mãe”, deveria ter sido inaugurado em abril, mas a pandemia de coronavírus suspendeu a programação, em princípio por tempo indeterminado.

Segunda surpresa, no Brasil, Carlos Teixeira recebeu a notícia de que a equipe do Festival Internacional de Jardins de Chaumont resolveu construir os jardins por ele projetado, e abriu o evento ao público em 16 de maio, logo após o início da flexibilização da quarentena na França.

O arquiteto brasileiro Carlos Teixeira.
O arquiteto brasileiro Carlos Teixeira. © Gabriela Abdalla

“Eu deveria estar em Chaumont no início de abril, veio a pandemia e a construção do meu jardim foi suspensa. Não recebi nenhum comunicado sobre o novo cronograma. Mas no dia 10 de maio veio a notícia de que os jardins já estavam prontos”. A equipe do Festival se baseou no projeto detalhado enviado pelo arquiteto brasileiro e utilizou os galhos coletados no Cerrado mineiro que chegaram à França em fevereiro, mas nem tudo saiu como estava no papel.

“Ele é uma espécie de jardim suspenso, e a principal diferença é que nenhuma das árvores do Cerrado, desses galhos que compõem essa matéria morta ou viva, não poderia tocar o solo do festival. Isso, para realçar um pouco o estranhamento ou a incompatibilidade dessas árvores de clima muito seco com o bioma do Vale do Loire. Na verdade, algumas delas foram montadas tocando o solo do terreno. Mas, de certa maneira, o jardim preserva sua essência”, explica o arquiteto.

Savana tropical

O “Piro Paisagem” foi batizado pelos organizadores do Festival de Chaumont como “Paisagem de fogo”, em uma referência às queimadas que assolaram o Brasil em 2019 e impressionaram o mundo. O projeto visa denunciar a destruição do Cerrado, este importante bioma brasileiro, muito menos conhecido internacionalmente do que a Amazônia e muito menos protegido. A savana tropical, a segunda maior formação ecológica do Brasil, que ocupa o centro do país, “continua sendo destruída para virar soja e pasto, sem qualquer repercussão nacional ou internacional”, informa o comunicado do escritório Vazio.

Para Carlos Teixeira, o importante bioma está totalmente desprotegido: “Com este governo é bem menos possível que o Cerrado seja preservado. Legalmente, um proprietário de terras na Amazônia não pode desmatar mais do que 20% de seu terreno. No caso do Cerrado, me parece que a percentagem é oposta, ele pode desmatar 80%. Esse governo está fazendo uma sabotagem do sistema que faz a fiscalização e a autuação dos grileiros.”

Jardim botânico póstumo

O projeto expõe os galhos em linha, qual animais abatidos pendurados num frigorífico, e funciona como um “jardim botânico póstumo”, mas muito “mais vivo do que morto”, explica o texto. Árvores de oito espécies encontradas nos estados de Minas Gerais, Goiás e Bahia, são expostas de cabeça para baixo, como se fossem raízes. A imagem do abatedouro explicita a morte do cerrado, mas as árvores invertidas falam também da resiliência das espécies da savana brasileira.

“Como no sul da França, essas árvores esmirradas, que nascem com os galhos retorcidos, têm uma raiz muito profunda, geralmente muito maiores do que a própria árvore. Elas são muito mais terrestres do que áreas. Ao inverter a planta e transformar a árvore em raiz, fala um pouco da importância da raiz nesses climas quentes e secos”.

O arquiteto brasileiro também ressalta que o projeto Piro Paisagem remete ainda sobre dois tipos de fogo que atingem o cerrado. “O primeiro é o fogo do próprio cerrado, que se adapta a incêndios temporários, que ocorrem naturalmente com frequência. Mas é claro que existe um outro fogo, criminoso, que acontece principalmente nos últimos anos, que é esse fogo dos grileiros”, denuncia.

Visibilidade internacional

Carlos Teixeira, que já ganhou muitos prêmios nacionais e internacionais, espera aproveitar da visibilidade internacional do Festival de Chaumont para chamar atenção para a situação do bioma brasileiro:

“Eu tenho esse interesse no Cerrado e espero que ele (o jardim) sirva como uma espécie de manifesto, para que a opinião pública se esclareça em relação ao que está acontecendo no Cerrado”.

O Festival Internacional de Chaumont-Sur-Loire acontece desde 1992, abrindo espaço para criações paisagísticas contemporâneas do mundo inteiro. A 29ª edição pode ser vista até 1° de novembro.

 

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