Em Perpignan, a fotógrafa brasileira Alice Martins expõe imagens da guerra na Síria
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Ouvir - 06:09
A exposição “Bem-vinda a Raqqa Livre” é um dos principais destaques da 30ª edição do Festival Visa Pour L’Image, em Perpignan, no sul da França. A autora é a gaúcha Alice Martins, que acompanha o conflito sírio há seis anos.
Enviada especial a Perpignan
A primeira câmera veio parar em suas mãos quando Alice tinha nove anos, uma Kodak Instamatic. “Enquanto as pessoas tiravam fotos de eventos de família, eu fotografava as ruas”, conta a fotógrafa, nascida em 1980, mãe há quatro meses, baseada em Istambul, na Turquia. A curiosidade cresceu com a Guerra do Golfo transmitida pela TV. A vontade de “contar o mundo” a levou primeiro para a Namíbia, como fotógrafa voluntária num programa de educação sexual e HIV. “Levei 40 rolos de filme analógico, que duraram um ano e o resultado só vi bem depois”, diz Alice.
Ela colocou o pé no Oriente Médio em 2012, para fotografar surfistas – assim como ela - na Faixa de Gaza, que foi ainda seu primeiro contato com uma zona em conflito. A Síria foi o próximo e importante passo. Fotógrafa independente, ela trabalha principalmente para o Washington Post, com eventuais colaborações para outras publicações, como a Stern alemã ou o Estado de S.Paulo.
Felicidade sob bombas
“Trabalho na Síria há seis anos, desde março de 2013. Acompanhei outras áreas, como Aleppo. Mas para mim Raqqa era diferente, porque foi a primeira capital de província tomada pelos rebeldes. Eu queria entender como é que fica uma cidade quando, de repente, não tem mais governo. Logo no começo havia uma atmosfera de celebração. As pessoas me recebiam, dizendo ‘Bem-vinda a Raqqa livre’. Aquilo me surpreendeu, pois estavam tão felizes, mas a cidade ainda estava sendo bombardeada pelo governo. O som de artilharia e bombardeios era constante. Mas eles achavam que Raqqa podia ser um exemplo do que poderia ser a Síria depois do presidente Bachar al-Assad”, relata a fotógrafa.
“Passei a me concentrar mais em Raqqa para observar como é que a situação iria se desenvolver. Durante seis meses fiz várias viagens para lá, e percebi que os militantes do grupo Estado Islâmico estavam chegando. Eles começaram controlando o principal prédio do governo em Raqqa. Havia outros grupos menos radicais, mas aos poucos eles foram tomando o controle, assassinando líderes da oposição, até tomarem conta da cidade totalmente em janeiro de 2014. Daí eu parei de ir, pois começaram a sequestrar jornalistas e a situação estava perigosa”, conta.
Alice voltou a Raqqa, com a expulsão dos extremistas, após bombardeios das forças aliadas com a ajuda do exército americano. “Eu estava lá no primeiro dia da operação, no começo de junho. Eu estava ansiosa para ver o que tinha mudado. Vi uma cidade completamente destruída, milhares de pessoas morreram, não se sabe exatamente quantas”. As fotos de Alice mostram a desolação e destruição.
Enterrar os filhos
Ela fala de um momento muito difícil, quando acompanhou a história de uma família que teve a casa bombardeada. Seis irmãos e irmãs morreram. Os pais sobreviveram e Alice acompanhou o doloroso preparativo fúnebre. O enterro foi de noite, para não chamar a atenção e virar alvo de bombardeios.
Sobre o fato de ser mulher, Alice Martins conta que na Síria isso chegou a ser uma vantagem. As viagens pelas estradas passavam por vários controles, e os homens eram sempre sabatinados, com documentos verificados. “Eles me ignoravam por ser mulher”. A bolsa com o equipamento fotográfico ia por baixo das largas túnicas islâmicas. “Eu também dependia do tradutor, em quem tinha confiança total”, acrescenta.
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