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França/Brasil

Francês especialista no PCC conta como sobreviveu a visita à Cracolândia

Bertrand Monnet, professor francês de Gestão de Riscos Criminais da escola de Administração de Empresas Edhec, em Lille, no norte da França, estava na Cracolândia realizando uma pesquisa quando foi detido por membros da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Ele contou sua experiência em uma longa reportagem publicada no jornal Le Monde deste sábado (27).

Helicóptero da polícia brasileira atingido por tiros de traficantes
Helicóptero da polícia brasileira atingido por tiros de traficantes Reuters
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Uma arma na cabeça, gritos, e a tentativa de explicar o que estava fazendo ali: assim começa o texto do professor francês, que caiu nas mãos de 15 criminosos do PCC (Primeiro Comando da Capital), que suspeitaram que ele e seu tradutor fossem policiais. Bertrand conseguiu sair vivo, mas foi por pouco. Agredido e “julgado” por um chefe da facção criminosa, ele acabou sendo liberado. A experiência, como ele mesmo diz, é a perfeita tradução da influência do grupo no país e, mais recentemente, no exterior.

No dia 21, lembra o professor francês, a polícia lançou uma operação de “limpeza” da Cracolândia, prendendo 38 traficantes e milhares de dependentes químicos. "Mas eles sempre acabam voltando", lembra.

“Para entender o crime organizado no Brasil é preciso entender o PCC, a máfia mais poderosa do país”, escreve em sua reportagem. Criada nas prisões brasileiras, nos anos 90, a organização é chefiada pelo traficante Marcola, da cadeia. O pesquisador lembra que seus 4 mil integrantes encarcerados enfrentam seus inimigos do Comando Vermelho e da Familia del Norte dentro das próprias penitenciárias, mas é no resto do país e no exterior que o PCC faz fortuna com a venda de toneladas de cocaína, maconha e crack.

“O PCC é uma multinacional do crime e seu modelo econômico é muito simples. Primeiramente, ele é baseado na compra da droga dos produtores bolivianos e paraguaios, através de representantes das organizações presentes nos dois países”, descreve. “Além disso, possui também uma posição dominante na revenda no mercado brasileiro. Inclusive as máfias concorrentes são obrigadas de comprar do PCC, que se transformou em um fornecedor central.”

A organização, diz Monnet, também se expande para outros continentes, fornecendo droga, por exemplo, para a máfia italiana Ndrangheta, da Calábria, o primeiro importador de cocaína da Europa. O PCC envia o produto para Anvers, na Bélgica, e Roterdã, na Holanda, escondido em contêineres despachados do porto de Santos, no Estado de São Paulo.

Internacionalização

Outro sinal da internacionalização da máfia brasileira é a lavagem de dinheiro, explica Monnet. Os ganhos com o tráfico obrigam a organização a transitar o dinheiro obtido em seus negócios na Venezuela e outros países da região. Os ganhos da facção criminosa passam até mesmo pela China. O volume de negócios do PCC, segundo o pesquisador, é estimado em US$ 50 milhões por mês (o equivalente a R$ 163 milhões). “Mas o paralelo com a economia formal para por aí. O que o PCC vende é o vício e a morte. Um dos principais produtos é o crack, uma das drogas mais pesadas do mundo, mistura de cocaína não-refinada, bicarbonato de sódio e amoníaco”, lembra o pesquisador.

Com um milhão de consumidores, o Brasil é o primeiro mercado mundial do crack, fumado em todo o país. O “laboratório do horror” é a Cracolândia, que Monnet descreve como um “concentrado do inferno em um quilômetro quadrado. Um aglomerado de barracas cheias de homens, mulheres e adolescentes em estado de higiene precária. Em frente, “zumbis assexuados, sem idade, descarnados, e metade nus se ajoelham, uns sobre os outros, com coberturas sujas sobre os ombros, muitos caídos no chão, em cima do lixo, completamente drogados”.

Ele lembra que, quando o efeito da droga passa, o reflexo é buscar, a qualquer preço, uma maneira de se obter uma nova dose. O crack é uma das causas, lembra o professor francês, da extrema violência em São Paulo. A Cracolândia é um território do PCC, comandado por um chefe que determina o destino de alguns corajosos que se aventuram por ali, caso do pesquisador, que se comunicou com o criminoso em parte pelo Google Translate. “Hoje, você passou muito perto da morte. Mas graças a Deus, você está livre”, ouviu Monnet, ao deixar o local, depois de recuperar seu passaporte e telefone, lembrando que “matar um estrangeiro por ali não é bom para o negócio. Ultraviolento, o PCC é antes de mais nada uma empresa”.
 

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