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Sistema de notas das escolas pode aumentar desigualdade social, diz estudo

Um estudo divulgado na França revela que o sistema de avaliação por meio de notas, utilizado atualmente nas escolas, pode favorecer a desigualdade social. Especialistas testaram métodos alternativos, no qual a capacidade de adquirir competências é valorizada.

Alunos do Colégio Viver adotam modo de funcionamento alternativo.
Alunos do Colégio Viver adotam modo de funcionamento alternativo. D. Garcia
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Tatiana Marotta em colaboração especial para RFI

Um estudo francês, realizado com 70 escolas e 6 mil alunos entre 2014 e 2015, corrobora a teoria do sociólogo Roland Pfefferkorn que afirma que "a escola pode tanto vencer as desigualdades quanto piorá-las".

Sob supervisão do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS), dois grupos de alunos, principalmente entre 14 e 15 anos, foram observados. Um deles continuou sendo avaliado normalmente, e o outro experimentou um sistema de avaliação por competência sem notas. Todos os estudantes foram avaliados sob os critérios convencionais no início e no fim do estudo para fazer a comparação.

Professores do primeiro grupo determinaram as competências que os alunos deveriam obter, e a avaliação foi feita por meio dos comentários: “não adquirido”, “parcialmente adquirido”, “adquirido” e “completamente adquirido”.

A pesquisa, focada em matemática, francês, história e geografia, demonstrou que, sem as notas numéricas, as diferenças entre os resultados nas classes sociais caíram - especialmente em matemática, disciplina na qual a diferença foi reduzida pela metade entre alunos ricos e pobres. Quanto às outras disciplinas, o desequilíbrio foi menos marcante.

O fraco desempenho nas outras matérias poderia ser explicado pela pouco envolvimento na pesquisa dos professores ou porque história e francês não seriam matérias tão propícias para uma avaliação por competência quanto a matemática.

Passar da concorrência à cooperação

O fato de não se sentirem avaliados ou simplesmente de não saberem os resultados obtidos modificaria não somente as diferenças dos alunos em função de suas classes sociais, como o clima de tensão que resulta da concorrência nas escolas. Foi mostrado que sem o sistema de avaliação convencional, os alunos apresentam menos apreensão e estresse quando se trata do trabalho escolar.

De acordo com Roland Pfefferkorn é preciso “substituir aquele modelo convencional por outro, no qual a cooperação prevalece, seja entre as escolas, entre as classes ou entre os alunos”. Durante as aulas, por exemplo, o sistema sem notas favoreceria a ajuda entre os alunos. “Aqueles que entenderam os exercícios poderiam explicar aos que têm mais dificuldades”, destaca.

Brasil testa sistema sem notas

No Brasil, os 150 alunos do colégio particular Viver, em Cotia (SP), adotaram um modo de funcionamento alternativo, no qual os professores propõem um ensino sem provas, com uma avaliação que “tenta entender a criança, considerando a evolução de cada um e seu potencial”, segundo Diogo Garcia, professor e responsável pela comunicação do colégio.

Os professores do Colégio Viver preferem relatórios individuais do que provas.
Os professores do Colégio Viver preferem relatórios individuais do que provas. D. Garcia

Os professores do colégio paulista procuram avaliar as crianças por meio de um sistema que busca a individualização, com uma proposta “customizada” do ensino, “respeitando o potencial e os desejos de cada um”.
“Nós não damos muita importância às notas, porém, como o sistema exige, avaliamos com letras: T para quem atingiu totalmente os objetivos, P para quem atingiu parcialmente os objetivos e A para quem merece atenção”.
Os professores preferem relatórios individuais do que provas, documentos que são preenchidos frequentemente pelos tutores dos alunos. De acordo com o professor, “tirar um 8 ou 9, A ou B são modelos de exclusão, na medida que não permite a abertura a uma diversidade humana”.

O educador diz que se trata de um ensino para a massa, que mede só um tipo de conteúdo, o conceitual. “Não existe uma avaliação pensada para a educação afetiva, para a educação corporal e moral. Só há uma avaliação voltada para uma educação intelectual”, diz. “Pensar em uma educação integral exige uma avaliação aberta que o sistema de grande massa não permite”, conclui.

Programas escolares são fatores de desigualdades

Essa crítica aos programas escolares também é feita pelo sociólogo francês. “Os recursos culturais básicos, que variam dependendo dos alunos, se tornam desigualdades a partir do momento em que a escola escolhe valorizar certos assuntos que não são valorizados na casa da criança. A escola dá prioridade aos livros”, diz Pfefferkorn.

“Todos os outros ensinos, como os tecnológicos, são desvalorizados pelas elites que dirigem e que não querem acabar com as desigualdades de vez”, comenta.

O professor se diz a favor da multiplicação dessas propostas e compara a questão com o debate sobre a definição de inteligência. Pfefferkorn pensa que não existe uma única forma de inteligência e que, de qualquer maneira, ela é uma qualidade universal: “Na medida em que a pessoa sabe falar, ela já consegue formular conceitos”.

Notas preparam para concorrência no mundo profissional
 

Sala de classe com alunos do Colégio Viver
Sala de classe com alunos do Colégio Viver D. Garcia

Em relatório entregue em 2013 ao Ministério da Educação francês, inspetores comentaram que o sistema de notas é mantido porque é um método esperado e conhecido pelos pais, que permite uma interpretação fácil dos resultados. Entre outros argumentos a favor estão o rigor e a precisão na avaliação da performance da criança – que até os alunos defendem, de acordo com a pesquisa.

O documento explica também que as notas permitem preparar os alunos para a concorrência que vão enfrentar no mundo profissional: “Ela existe na vida, e a escola precisa preparar as crianças”.

Se uma avaliação por competência fosse adotada, ela teria que se tornar o único modelo usado. Assim, não haveria perda de valor na comparação com outras.

O relatório constata, por exemplo, que a experimentação de um sistema sem notas é vivido, para a classe teste, como um momento “estranho” por causa da “incompreensão e da indiferença dos outros” frente à inovação. De acordo com Roland Pfefferkorn, é evidente que apenas a supressão das notas seria “contra-produtiva” e “precisaria ser acompanhada por outros dispositivos pedagógicos”.

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