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Caso Emmily: novas provas implicam empresário argentino acusado de feminicídio contra brasileira

A poucos dias da audiência para decidir se o empresário Francisco Sáenz Valiente deve voltar à prisão, novos diálogos e áudios revelados nas últimas horas podem deixá-lo mais perto da acusação de “fornecimento de drogas” e mais longe da acusação de “feminicídio” contra a brasileira Emmily Gomes. 

Porta do edifício onde Emmily morreu em Buenos Aires, na Argentina.
Porta do edifício onde Emmily morreu em Buenos Aires, na Argentina. © Márcio Resende/RFI
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Para a surpresa tanto da defesa quanto da acusação, o processo que investiga a morte da brasileira Emmily Rodrigues Santos Gomes, de 26 anos, ganhou uma evidência que as duas partes interpretam como contundente contra ou a favor, de acordo com a interpretação de cada lado: o áudio do exato momento da morte de Emmily ao cair do sexto andar de um edifício em Buenos Aires.

No áudio, o empresário Francisco Sáenz Valiente, de 52 anos, aparece argumentando que “não conseguiu segurá-la”, que Emmily “escapou” e ele ficou em choque. 

A gravação começa com os gritos de Emmily num pedido desesperado antes do impacto da sua queda. “Não, por favor! Por favor!”, suplica a brasileira.

Na sequência, ouve-se o barulho da queda e o empresário incrédulo a gritar o nome da também brasileira Juliana Magalhães Mourão, de 37 anos, a terceira pessoa presente no apartamento às 9h18 do dia 30 de março, momento no qual Emmily cai pela janela no vão interno do luxuoso edifício.

“Não! Não! Juli! Juli! Juli, PQP, Juli! Juli, Meu Deus! PQP! Não posso acreditar! Ai, Juli! Não acredito”, exclama Sáenz Valiente. E continua: “PQP! Eu não consegui segurá-la”.

Revelando que Juliana não estava no quarto de onde Emmily caiu, o empresário reclama: “Eu pedi para você vir”.  

Ligação não interrompida  

O áudio foi gravado pela linha de emergências da Argentina porque o empresário tinha ligado para o 911 para pedir que a polícia fosse ao apartamento porque havia uma mulher “alterada e gritando muito como se estivesse possuída”, em referência a Emmily. No entanto, sem que a ligação fosse interrompida, o empresário guardou o celular no bolso da calça e a gravação continuou.

Devido à dificuldade para entender o caso, a atendente remeteu à unidade de atendimento psicológico do serviço de emergências o trecho do momento em que Emmily cai. A gravação só foi encontrada pelo Ministério Público agora.

“Com este áudio, fica provado que Sáenz Valiente nunca empurrou Emmily. O áudio, gravado sem que ele soubesse, mostra o meu cliente dizendo que ‘ela escapou’ e que ele ‘não conseguiu segurá-la’. A voz dele, de terror ou de dor, é espontânea”, explica à RFI o advogado da defesa, Rafael Cúneo Libarona.

Mas o advogado da família de Emmily, Ignacio Trimarco, tem uma interpretação bem diferente. “Eu não me concentro no que ele diz nesse áudio, mas no que Emmily diz. E ela não diz ‘me solta que eu quero pular’. Ela está pedindo ‘por favor’ para não ser mais agredida. O áudio começa com Emmily implorando ‘não, por favor’ e logo depois ouve-se o impacto da queda. Esse papo de que ‘ela escapou’ e ‘não consegui segurá-la’ é mais uma mentira como foi mentira quando ele disse que não tinha comprado drogas para oferecer às meninas”, acusa Trimarco em entrevista à RFI.

“Este é o primeiro processo, que me lembro, em que o momento da morte de uma mulher está gravado. Para mim, é uma prova categórica de feminicídio”, determina Trimarco. Segundo ele, “tudo não passou de uma atuação” do empresário.

"Tenho cocaína rosa, cocaína e maconha", oferece empresário

Francisco Sáenz Valiente é acusado de “feminicídio” e de “entrega, fornecimento e facilitação de entorpecentes”. Na Argentina, o consumo pessoal não é delito, mas fornecer e facilitar onde consumir, sim. E é justamente essa acusação que pode levá-lo de volta à prisão preventiva na próxima semana. O empresário foi libertado no dia 18 de abril por falta de provas, após passar os 20 primeiros dias preso.

Na próxima segunda-feira (22), haverá uma audiência na Câmara de Apelações durante a qual a Promotoria e o advogado Ignácio Trimarco vão pedir que o empresário volte à prisão preventiva.

Também nas últimas horas, foram revelados diálogos entre o empresário e um traficante e entre o empresário e duas convidadas naquela madrugada do dia 30 de março. 

Às 0h43, Sáenz Valiente conversa por WhatsApp com um traficante. Pede “2 brancos e 1 tuci”, em referência à cocaína e a “tuci”, como a cocaína rosa é também chamada devido à pronúncia em inglês da sigla 2C-B que define a droga sintética.

Depois de receber o pedido na porta do edifício, o empresário escreveu à primeira convidada da noite, Lía Alves. Foi à 1h31, num diálogo em que acertam o valor por duas horas de sexo, além do oferecimento de droga por parte do empresário.

“Quer vir?”, convida. “Tenho cocaína rosa, cocaína e maconha”, acrescenta. Esse diálogo desmente a testemunha Lía Alves e o empresário, que garantiram na Justiça que, no encontro, não houve sexo nem mesmo insinuações. Por outro lado, também desmente o testemunho de que não houve oferecimento de drogas.

O laudo médico constatou a presença de maconha, cocaína e cocaína rosa no corpo de Emmily, mas somente de cocaína no de Sáenz Valiente, indicando que o empresário comprou a droga apenas para terceiros já que “não consumiu porque não gosta de cocaína rosa”, segundo o seu advogado.

Cinco minutos depois de conversar com Lía, Sáenz Valiente começou a dialogar com a amiga brasileira Juliana que o convidou a um bar onde estaria com amigas. O empresário prefere que o encontro aconteça na casa dele. Às 3h21, Juliana chegou com duas amigas: a cubana Dafne e Emmily, quem conheceria Sáenz Valiente nesse mesmo dia.

Rafael Cúneo Libarona, advogado do empresário, admite que o tribunal pode ver a “facilitação de entorpecentes” nesses diálogos. “São interpretações. Para mim, essa troca de mensagens não chega a comprometê-lo para a audiência de segunda-feira”, acredita Cúneo Libarona. 

Risco de prisão 

A lei para quem entrega, fornece ou facilita drogas prevê uma pena de três a doze anos de prisão. Mas “se for ocasional, a título gratuito e por escassa quantidade para uso pessoal de quem recebe, a pena será de seis meses a três anos de prisão”.

Na Argentina, uma condenação por menos de três anos é cumprida em regime aberto. Esse é o plano B da defesa caso a Justiça condene Sáenz Valiente, embora essa linha se contradiga com o argumento principal da defesa: Emmily teria se suicidado a partir de um surto psicótico, devido à mistura de altas doses de drogas, levando-a a um quadro alucinógeno.

“Só pela facilitação e pelo fornecimento de drogas, Sáenz Valiente já deveria voltar à prisão porque a pena supera os oito anos de prisão. Para esse tipo de delito, deve haver prisão preventiva”, garante Trimarco.

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