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Lula diz na Argentina que BNDES voltará a financiar obras no exterior e critica ingerência na Venezuela

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva iniciou nesta segunda-feira (23) em Buenos Aires a sua primeira viagem internacional deste terceiro mandato. Em suas primeiras declarações, o chefe de Estado falou sobre o financiamento de obras em outros países pelo BNDES, defendeu a autonomia da Venezuela e de Cuba e alfinetou aqueles que o criticam.  

Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina,  Alberto Fernández (d), durante coletiva de imprensa em Buenos Aires.
Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Alberto Fernández (d), durante coletiva de imprensa em Buenos Aires. REUTERS - AGUSTIN MARCARIAN
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) financie obras de engenharia em outros países, a exemplo do que fez durante os governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores (PT), quando financiou obras de empreiteiras brasileiras em países da América Latina e África, foco das investigações anticorrupção da Operação Lava Jato.

“Muitas vezes somos criticados por pura ignorância por pessoas que pensam que não pode haver financiamento de engenharia a outros países. Acho não só que pode como é necessário que o Brasil ajude os outros países. E é o que vamos fazer”, defendeu o chefe de Estado.

Lula falou à imprensa ao lado do presidente argentino, Alberto Fernández, após reunião bilateral na Casa Rosada, durante a qual os dois governos assinaram seis documentos entre acordos, memorandos e declarações.

“Falamos sobre a possibilidade de o gás de Vaca Muerta chegar ao Brasil”, confirmou Fernández, fazendo referência à segunda maior jazida de gás de xisto e a quarta de petróleo não-convencional do mundo, situada em território argentino. Brasília e Buenos Aires querem a construção de um gasoduto entre a reserva patagônica até o Sul do Brasil.

Faltam à Argentina recursos financeiros para construir gasoduto

O governo argentino se entusiasma com o mercado brasileiro como destino da produção de gás, enquanto o Brasil tem interesse em garantir a sua segurança energética, reduzindo a dependência do gás boliviano, cujo volume de produção tem diminuído. Mas faltam à Argentina recursos financeiros para construir um gasoduto.

Por isso, Buenos Aires quer que Brasília financie, através do BNDES, a construção das infraestruturas para o projeto. O que mais aparece avançado, no entanto, é o papel do BNDES como financiador dos canos de aço para o gasoduto. Esses canos são produzidos em solo brasileiro pela empresa argentina Techint e o Brasil financiaria essas exportações à Argentina.

Para Lula, países maiores devem financiar menores

Lula foi perguntado se, além de equipamentos produzidos no Brasil, o BNDES financiaria obras de engenharia, foco do esquema de corrupção revelado pela Lava Jato, cujas investigações tiveram consequências sobre políticos e governantes pela América Latina.

“Se há interesse dos empresários, dos governos, e temos um banco para isso, vamos fazer um esforço para o financiamento do BNDES. O orgulho que tenho quando o BNDES tinha mais recursos do que o Banco Mundial para financiar. O orgulho que tínhamos quando financiávamos uma obra nos países da América do Sul. É isso o que os países maiores têm de fazer”, defendeu Lula, criticando Bolsonaro por ordenar que o BNDES, por razões ideológicas, devolvesse dinheiro ao Tesouro em vez de financiar obras. “Em vez de fazer investimento, o BNDES teve de devolver ao Tesouro Nacional R$ 360 milhões que poderiam ser para investimentos em portos e aeroportos, mas foram devolvidos ao governo”, comparou.

O presidente argentino elogiou as palavras de Lula, afirmando que as declarações do brasileiro o encorajam. “Para nós, o BNDES causa inveja. É uma ferramenta de desenvolvimento incrível”, disse Alberto Fernández, acrescentando que “espera rapidamente chegar a esse ponto para passar o gás que o Brasil precisa, sobretudo quando os dois países sofrem o declínio da produção de gás na Bolívia”.

"Vamos restabelecer relações com a Venezuela", diz Lula

A oposição política argentina, a partir dos testemunhos de venezuelanos exilados no país, apresentou denúncias penais contra Nicolás Maduro. Nos últimos dias, líderes políticos de centro-direita pressionaram a Justiça para emitir ordens de prisão do presidente da Venezuela quando pisasse em território argentino.

Durante a coletiva, Lula confirmou que Maduro cancelou uma reunião bilateral prevista para esta segunda-feira (23). “Fui informado que talvez Maduro não venha. Será, então, em outro lugar”, lamentou o brasileiro, antes de ser questionado, assim como Fernández, se aproveitariam a reunião de Cúpula da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (CELAC), a ser realizada em Buenos Aires nesta terça-feira (24), para procurar uma saída democrática tanto para Venezuela quanto para Cuba.

“Espero que Venezuela e Cuba façam aquilo que quiserem e nós não temos de nos meter”, retrucou Lula. “A autodeterminação dos povos tem de ser respeitada entre os países. Assim como sou contra a invasão russa na Ucrânia, sou contra a ingerência em assuntos da Venezuela”, comparou, criticando a política de pressão através de bloqueios, sanções econômicas e invasões.

“Vamos resolver (a questão na Venezuela e em Cuba) com diálogo e não com bloqueios nem com ameaça de invasão nem com ameaças pessoais. Eu quero para a Venezuela o que eu quero para o meu país: respeito e autodeterminação dos povos. A Venezuela vai ser tratada como todos os países merecem ser tratados”, argumentou Lula.

Brasil e Venezuela estão próximos de restabelecerem relações diplomáticas com a reabertura da Embaixada do Brasil em Caracas, depois da ruptura durante o governo Bolsonaro. O assunto seria tratado pessoalmente entre Lula e Nicolás Maduro.

“Vamos restabelecer relações com a Venezuela e estabelecer a relação civilizada entre duas nações independentes. E que o povo venezuelano que está fora da Venezuela possa voltar à Venezuela. O Brasil tem um papel importante a jogar nisso”, indicou Lula.

Já sobre Cuba, Lula confirmou que a reunião bilateral com o presidente Miguel Díaz-Cané se mantém conforme o previsto para a tarde desta terça-feira (24) ao término da Cúpula da CELAC.

“Parece-me que Cuba vem”, disse o brasileiro, defendendo o papel da CELAC, único foro regional do qual Cuba participa.

CELAC: espaço extraordinário para resolver conflitos 

A Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos foi criada em 2010 pelo então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e pelo próprio Lula, durante o seu segundo mandato. O objetivo era isolar os Estados Unidos, que exerciam o controle da Organização dos Estados Americanos (OEA).

“A CELAC é um espaço extraordinário para resolver conflitos. Tenho orgulho de ter participado da construção desse foro e tenho orgulho de que os cubanos participem. Espero que logo Cuba possa voltar ao processo de normalidade e que acabe o bloqueio a Cuba sem nenhuma necessidade. Eles (os cubanos) não querem o modelo de outro país. Querem o modelo deles e o que nós temos a ver com isso?”, perguntou-se Lula para defender que “o Brasil e os países da CELAC devem tratar a Venezuela e Cuba com muito carinho”.

“As pessoas se esquecem que eles (opositores ao regime de Maduro) fizeram coisas abomináveis para a democracia: reconheceram um cara que não foi candidato a presidente e que ficou exercendo o papel de presidente sem ser presidente”, criticou Lula em referência a Juan Guaidó.

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