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Presidente Alberto Fernández depõe em processo que investiga Cristina Kirchner por corrupção

Pela primeira vez na história argentina, um presidente em exercício depôs como testemunha em processo que tem como réu a sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner, acusada de corrupção ao liderar uma quadrilha que contratava majoritariamente a construtora de um empresário, suposto testa-de-ferro dos Kirchner.

Entrada do tribunal federal de Buenos Aires, onde o presidente argentino, Alberto Fernández, depôs em caso de suspeita de corrupção contra a vice-presidente, Cristina Kirchner.
Entrada do tribunal federal de Buenos Aires, onde o presidente argentino, Alberto Fernández, depôs em caso de suspeita de corrupção contra a vice-presidente, Cristina Kirchner. JUAN MABROMATA AFP
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Num episódio inédito, o presidente Alberto Fernández prestou depoimento como testemunha da sua vice-presidente Cristina Kirchner, acusada de corrupção ao favorecer com a maior parte das obras públicas um suposto testa-de-ferro, transformado em empreiteiro assim que os Kirchner chegaram ao poder, em maio de 2003.

"Nunca houve uma distribuição arbitrária dos fundos públicos", garantiu o presidente argentino perante a Justiça, no final da manhã desta terça-feira (15).

Alberto Fernández foi chefe do gabinete de ministros durante todo o período do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) e durante os primeiros sete meses do mandato da ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015), eleita vice-presidente, em 2019.

A estratégia da defesa é jogar a responsabilidade pela distribuição de fundos públicos aos chefes do gabinete para que esses, por sua vez, indiquem que a distribuição de fundos não obedece um caráter arbitrário, mas de prioridade política para as obras.

"A aprovação de um orçamento não é decisão de um presidente que decide como o dinheiro deve ser gasto. Não existe nenhuma norma que diga quanto pode ser destinado a cada obra pública, nem existe uma norma que diga como esse investimento deve ser distribuído. No meu julgamento, é uma decisão de caráter político", argumentou Alberto Fernández.

Ao levar o debate para o terreno político, o objetivo é denunciar uma perseguição amparada na teoria do "lawfare", isto é, uma suposta guerra judiciária, criada pela direita, com o objetivo de intervir na política e destruir adversários. Dessa conspiração, participariam a oposição, os empresários, o sistema financeiro, os meios de comunicação, os Estados Unidos e a Justiça.

Segundo Alberto Fernández, a designação de uma obra pública "por ser uma decisão de caráter político, não pode ser passível de processo".

O esquema investigado

A acusação do Ministério Público sustenta que a província de Santa Cruz, reduto político dos Kirchner, recebeu 11% de todo o orçamento destinado a obras públicas no país. Na província, 86% dos contratos foram concedidos às construtoras pertencentes ao empresário Lázaro Báez, apontado como um testa-de-ferro dos Kirchner.

Lázaro Báez era caixa de um banco provincial quando conheceu o então advogado e político Néstor Kirchner. A fortuna de Báez cresceu à medida que Néstor Kirchner ganhava eleições como prefeito e governador.

Quando Néstor Kirchner foi eleito presidente, Báez criou uma empreiteira, a Austral Construções, que recebeu a maior parte das obras públicas. Metade das 52 obras não foram terminadas, mas pagas com 65% de superfaturamento.

Perguntado pelo advogado de Cristina Kirchner, Carlos Beraldi, se a província de Santa Cruz e o empresário Lázaro Báez foram beneficiados, Alberto Fernández foi taxativo: "Definitivamente, isso nunca aconteceu".

"É impossível que um presidente conheça os pormenores de uma concessão. Pode-se conhecer os grandes números e como o orçamento é executado, mas não como cada obra evolui", afirmou Fernández, tirando a responsabilidade sobre Cristina Kirchner.

Mudança no discurso

O processo que coloca Cristina Kirchner como líder de uma quadrilha começou em maio de 2019, pouco antes de a ex-presidente oferecer a Alberto Fernández a candidatura a presidente, enquanto ela seria a sua vice.

A ex-presidente pediu que todos aqueles que foram chefes de gabinete durante o período julgado declarassem como testemunhas. No próximo dia 21, Sergio Massa, atual presidente da Câmara de Deputados e ex-chefe de gabinete de Cristina Kirchner, também vai depor à Justiça.

Em julho de 2008 e por um ano, Sergio Massa substituiu Alberto Fernández como chefe do gabinete de ministros. Entre 2013 e até reconciliar-se com Cristina Kirchner, em 2019, Massa criticava "a alta corrupção do período dos Kirchner".

Durante 10 anos, entre 2008 e 2018, também Alberto Fernández foi um crítico feroz do governo de Cristina Kirchner, ao que acusava de corrupção.

"Tudo isso me parece gravíssimo e me surpreende que ninguém dê uma explicação", dizia Alberto Fernández quando consultado sobre as ligações dos Kirchner com o empresário Lázaro Báez e as obras que tiveram o suposto testa-de-ferro como frequente beneficiado.

"Não posso ignorar que tudo aconteceu em Santa Cruz e que essa era a província de Néstor Kirchner", desconfiava Fernández.

Porém, assim que foi designado candidato a presidente pela própria Cristina Kirchner, o discurso de Alberto Fernández mudou."Tudo isso pode ser uma falta de ética, um descuido ético, mas não um crime", minimizou.

A suposta quadrilha da qual Cristina Kirchner é acusada teria atuado durante todo o período dos Kirchner (2003-2015) e teria como outros integrantes o então ministro do Planejamento, Julio de Vido, o ex-secretário de Obras Públicas, José López, e o ex-diretor de Vialidade, Nelson Periotti, entre outros antigos funcionários públicos.

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