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Chilenos vão às urnas em eleição mais polarizada desde a redemocratização

Neste domingo (19) o Chile vive o que pode ser sua eleição presidencial mais importante desde o fim da ditadura de Pinochet, em 1990. O pleito acontece durante a elaboração de uma nova Constituição nacional, que poderá substituir o texto herdado dos tempos da ditadura. Além disso, a disputa pela presidência no país nunca foi tão polarizada em quase 30 anos.

Gabriel Boric e José Antonio Kast, os dois candidatos ao segundo turno das eleições presidenciais no Chile, durante um debate televisionado em Santiago em 13 de dezembro de 2021.
Gabriel Boric e José Antonio Kast, os dois candidatos ao segundo turno das eleições presidenciais no Chile, durante um debate televisionado em Santiago em 13 de dezembro de 2021. AP - Elvis Gonzalez
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Por Justine Fontaine, correspondente da RFI em Santiago do Chile

Na votação deste domingo concorrem dois grandes projetos políticos antagônicos. De um lado, o ex-líder estudantil de esquerda Gabriel Boric promete grandes reformas sociais, em particular no que se refere à previdência, saúde e educação, setores total ou parcialmente privatizados durante a ditadura. Ele também apoia a ideia de uma nova Constituição. Boric defende um programa bastante social-democrata, mas é apoiado pelo Partido Comunista.

Deputado desde 2014, Boric se apresenta como o candidato à mudança e o herdeiro político do movimento de 2019 por mais justiça social no país mais desigual da OCDE. Com 35 anos, idade mínima para concorrer, ele não era esperado para esta corrida final pela presidência.

Já José Antonio Kast, líder do partido de extrema direita que ele mesmo criou, se beneficia da rejeição ao atual presidente conservador, Sebastián Piñera, que termina seu segundo mandato (2010-2014 e desde 2018). Vencedor do primeiro turno com 27,9% dos votos, contra 25,8% do seu oponente, Kast promete redução de impostos e defesa do modelo neoliberal herdado da ditadura. Ele fez campanha contra a ideia de redigir uma nova constituição e é conhecido por ser um defensor histórico do regime de Pinochet.

A agenda econômica ultraliberal do advogado de 55 anos propõe cortar ainda mais os gastos do estado e diminuir os impostos corporativos para criar empregos. Bem ao contrário do programa de Boric, que pretende lançar uma grande reforma tributária para envolver os mais ricos do país - incluindo os 1% detentores de 26,5% da riqueza, de acordo com uma agência da ONU - em seu programa redistributivo de melhor acesso à saúde, educação e a criação de um novo sistema de aposentadoria, hoje totalmente privado.

Moderação de discursos para seduzir indecisos

Os dois candidatos moderaram seus discursos desde o primeiro turno e ambos retiraram as propostas mais polêmicas de seus programas. Mas essa polarização não tem precedentes no Chile desde o fim da ditadura e isso deixa um certo número de eleitores de centro indecisos.

A abstenção costuma ser muito alta no Chile e neste domingo quase metade dos eleitores podem mais uma vez evitar as urnas. No primeiro turno a abstenção foi de 53%. O final da campanha foi marcado por uma certa animosidade e por informações falsas, disseminadas principalmente pelo campo do candidato de extrema direita.

Mas em um país governado pela centro-direita e pela centro-esquerda desde o fim da ditadura há 31 anos, os eleitores parecem ser movidos mais pela rejeição do que pela filiação.

Camila Chamblas, professora de 26 anos, quer a todo custo evitar o retorno à atmosfera da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), evocado por José Antonio Kast (um dos irmãos de Kast foi ministro no regime militar, quando pelo menos 3,2 mil oponentes políticos foram mortos ou desapareceram). “Eu ainda não tinha nascido, mas conversei muito sobre isso com meus pais que sofreram muito na época. As coisas que ele [Kast] fala são como uma continuação de Pinochet”, disse ela.

Ricardo Sepúlveda, aposentado de 75 anos, vai votar contra o "comunismo". Ele diz que sob o governo socialista (aliado dos comunistas) de Salvador Allende (1970-73), sua renda diminuiu e a insegurança aumentou até a chegada da junta militar que "restaurou a ordem".

A campanha presidencial foi difícil e "focada em desacreditar o concorrente", afirmou Marcelo Mella, analista da Universidade de Santiago. Durante seu último comício, na quinta-feira (16), Kast, contrário ao aborto, jurou que "o Chile não é, e nunca será, um país marxista ou comunista". Boric, por sua vez, disse que seu rival "só trará instabilidade, mais ódio e violência".

"Votar no menos pior"

O resultado dessa votação cercada de grandes expectativas será ditado pela captura de votos dos eleitores de centro e pela mobilização daqueles que se abstiveram no 1º turno (53%). As últimas pesquisas de intenção de voto publicadas fora do país, no Chile as sondagens são proibidas, revelavam uma concorrência acirrada.

Javiera Munoz, 33, grávida e desempregada, não sabe se vai "votar no menos pior" ou "desperdiçar" seu voto votando em branco. Javiera Otto, uma empregada de 24 anos, não sabe em quem votar: "não gosta", "não tem esperança" e sente-se guiada pelo "medo".

Carol Bravo, garçonete de 34 anos, votará em Gabriel Boric que "dá esperança de finalmente completar todas as mudanças que o Chile conheceu, especialmente nos últimos dois anos" com a redação de uma nova Constituição para substituir a escrita sob a era Pinochet. Ela diz que está "muito nervosa" enquanto espera o resultado e que vai "às ruas" protestar neste domingo à noite se a extrema direita vencer.

De acordo com Patricio Navia, professor da Universidade de Nova York, "se Kast vencer, com certeza veremos protestos", mas "se Boric vencer, provavelmente haverá alguma turbulência no mercado de ações". “Seja nas Bolsas, seja nas ruas, vai haver rebuliço”, alerta.

Cerca de 15 dos 19 milhões de chilenos são chamados às urnas abertas neste domingo.

(Com informações da AFP)

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