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Brasil-Mundo

Brasileira que trabalha na linha de frente contra a Covid-19 em Nova York relata momentos de luta e emoção

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Mais de 77 mil pessoas já morreram nos Estados Unidos por causa da Covid-19. O epicentro do surto de coronavírus nos EUA está no estado de Nova York. As infecções estão particularmente concentradas nos arredores da cidade de Nova York. Até a manhã deste sábado (9), 26.358 pessoas haviam morrido da região. É em um hospital no Bronx que trabalha a enfermeira carioca Suely Cristina da Silva. Há três meses, ela está na linha de frente cuidando exclusivamente de pacientes com o novo coronavírus.

A enfermeira Suely Crtistina em seu local de trabalho.
A enfermeira Suely Crtistina em seu local de trabalho. © Divulgação
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A região do Bronx concentra a segunda maior população com o coronavírus no estado de Nova York, com 33% dos casos. Até o último dia 5, o North Central Bronx, hospital onde Suely trabalha, havia atendido 5.437 pessoas infectadas pela Covid-19.

“Trabalho na área da saúde desde 1986 e nunca havia presenciado tanta gente morrer na minha vida. Foi muito duro no início. Eu orava e chorava muito quando chegava em casa, no primeiro mês. Foi muito difícil”, relata a brasileira. 

Para enfrentar a pandemia, a Fema, sigla em inglês para a Agência Federal de Gestão de Emergências dos EUA, recrutou centenas de profissionais da saúde, entre médicos e enfermeiros, incluindo a brasileira. Com mais de 15 anos de experiência profissional em centro cirúrgico e no setor de emergência, o conhecimento acumulado por Suely faz a diferença. Antes da pandemia, ela se preparava para tirar férias, mas recebeu o irrecusável convite para trabalhar na linha de frente contra a Covid-19. 

Para encarar esta batalha, Suely precisou readaptar a própria rotina. O filho, de 15 anos, foi levado à casa de um familiar. Ela passou a se dedicar exclusivamente ao trabalho em plantões de mais de 12 horas diárias, seis vezes por semana. “Tive que adotar um estilo de vida sem ninguém ao meu redor”.

Segundo Suely, no hospital onde trabalha, cada enfermeiro agora é responsável por apenas um paciente.

“O hospital se transformou em um gigante CTI (Centro de Tratamento Intensivo). Cerca de 80% dos pacientes estavam entubados e conectados ao ventilador mecânico. O tempo todo no hospital era aquela angústia, aquele estresse. O hospital anunciava no alto-falante quem estava sendo requisitado. Era todo mundo correndo o tempo todo. Na primeira semana foi muito louco porque os pacientes não paravam de morrer e a gente via o desespero no rosto dos médicos, das enfermeiras e aquela correria para não deixar o paciente morrer.”

A carioca conta que o paciente da Covid-19 requer cuidado intensivo. “É preciso prestar atenção o tempo todo ao tubo (de respiração) para evitar que ele entupa. No início foi muito pesado porque são muitos medicamentos. O paciente é mantido sedado.”

Suely Cristina em seu dia de formatura.
Suely Cristina em seu dia de formatura. © Divulgação

“Perder um paciente”

Até o momento, Suely atendeu cerca de 20 pacientes com a Covid-19 no hospital americano. Apenas um deles, que já estava em estado grave, faleceu.  

“Eu perdi um paciente. Foi muito triste. Todo mundo quase chorou. Nós seguramos a mão dele, ficamos com ele até o coração parar de bater. Nos últimos minutos de vida, ele só estava com a gente.”

Isolados, os pacientes com coronavírus veem apenas a equipe de saúde enquanto estão internados.

“Hoje, a gente só tem motivos para celebrar. Nas últimas semanas, todos os pacientes estão sobrevivendo e nós escutamos a música 'Fight Song' quando o paciente é desentubado. Todos os profissionais celebram, se abraçam, dançam. É muita emoção! Dá vontade de chorar de felicidade.”

Os versos da canção "Fight Song" (canção da luta, em português) descrevem a dura batalha dos infectados – “Esta é a minha música de luta. Traga de volta minha música da vida. Prove que eu estou bem. Meu poder está ligado. A partir de agora eu vou ser forte”.

Suely descreve a Covid-19 como “um vírus terrível”. Diante de um inimigo mortal, cada vitória conta. Quando o paciente recebe alta, todo o hospital comemora e os alto-falantes ecoam os versos da clássica “New York, New York”, na voz de Frank Sinatra.

A cidade de Nova York é a mais populosa dos Estados Unidos e uma das mais populosas das Américas, por onde circulam diariamente milhares de pessoas. Por causa da pandemia, pela primeira vez em mais de cem anos o principal meio de transporte da região, o metrô, deixou de funcionar 24 horas.

A polícia circula pelas ruas da cidade para dispersar quem desobedece a ordem de manter distanciamento social. É obrigatório o uso de máscaras para evitar a propagação da Covid-19. Em alguns lugares dos EUA, quem não usar o acessório pode ser multado.         

Uniforme e homenagens

A rotina de trabalho é intensa. Embora esteja vivendo temporariamente sozinha, Suely segue uma série de cuidados para não expor vizinhos ao vírus. Ela desinfeta roupas e sapatos ao sair do plantão e antes de chegar em casa. 

Já o uniforme hospitalar é composto por duas máscaras N95 (indicada pela Organização Mundial da Saúde), uma máscara de plástico transparente que cobre todo o rosto, roupa de manga comprida, calça e sapatos fechados mais outro uniforme descartável, além de luvas também descartáveis.     

Assim como em várias partes do mundo, nos Estados Unidos os profissionais da saúde passaram a receber diversas homenagens. Em Manhattan, diariamente às 19h os profissionais da saúde ganham uma salva de palmas. Um dos edifícios mais emblemáticos de Nova York, o Empire State Building, fez projeções que lembravam a cor e as pulsações cardíacas homenageando os infectados que batalham pela vida.   

Suely, que desde 2004 trabalha na enfermagem nos EUA, este ano passou um aniversário diferente. Na entrada do North Central Bronx, viu uma placa com a inscrição Super Nurse (“Super Enfermeira”) sobre o símbolo do Super Homem. “A gente começou a ser visto como heróis. Começamos a receber muitas homenagens de tudo quanto é canto. As pessoas iam para a frente dos hospitais e escreviam no chão: 'obrigado, vocês são uns heróis'”.

“Valeu a pena”

Para trabalhar como enfermeira nos EUA, Suely voltou a estudar a mesma carreira que exercia no Rio de Janeiro. Também precisou ser aprovada em um exame que pode chegar a ter 400 questões.   

“Os enfermeiros nos Estados Unidos são muito exigidos. Aqui nós somos considerados o advogado do paciente. A enfermeira é a primeira e a última pessoa a ver o paciente. A enfermeira aqui também tem o papel de professora. Nós ensinamos o paciente, quando ele tem alta, a se cuidar.” 

Por enquanto, caiu o número de pacientes com a Covid-19 no hospital onde Suely trabalha. Mas é esperado um novo aumento de casos quando houver a reabertura da cidade, prevista para o dia 15 de maio.

“O hospital onde eu trabalho está preparando um andar apenas para pacientes com Covid-19 para quando a cidade voltar a funcionar e novos casos da doença aparecerem.”

Apesar do intenso trabalho, do isolamento voluntário e do desgaste emocional, esta profissional da saúde avalia positivamente tantas horas de dedicação contra um inimigo mortal.

“Nessa batalha valeu muito a pena estar na linha de frente. Eu fiz a diferença. Eu estou fazendo a diferença! Eu tive coragem de ir lá, porque muita gente não teve. Eu e mais de 50 mil profissionais, trabalhando, nos arriscando. Estamos conseguindo manter as pessoas vivas. Eu trabalhei duro demais. Para mim é uma grande emoção saber que meus pacientes estão vivos, estão indo para casa. Isso eu nunca vou esquecer.”

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