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Brasil-África

Cabeleireira brasileira dribla o racismo e a recessão na África do Sul

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A notícia de que a economia sul-africana acaba de entrar novamente em recessão não fez a brasileira Magali da Silva Rebola desistir de continuar investindo no país, onde a cabeleireira e empresária vive há 15 anos com o marido e as três filhas. Em 2005, eles cruzaram o oceano Atlântico pela última vez, e hoje vivem em Boksburg, a cerca de 20 km de Joanesburgo.

Magali da Silva Rebola aproveita a imagem positiva da estética do Brasil na África do Sul.
Magali da Silva Rebola aproveita a imagem positiva da estética do Brasil na África do Sul. Arquivo pessoal/ RFI
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O dia começa cedo para a brasileira: às 5h30 ela já está na academia. Três horas depois, Magali está com o salão de beleza aberto e pronta para colocar a mão na massa – ou melhor, nos cabelos das clientes.

A decoração do ambiente de trabalho é inspirada no Brasil, com foto do Cristo Redentor decorando as paredes. Magali faz jus à fama de ser boa de serviço e está com a agenda lotada até o fim do mês – foi até difícil marcar uma entrevista com ela.

A técnica ela aprendeu em um curso aos 18 anos, que na sequência aplicou no salão de uma tia. Depois, estudou magistério, na tentativa de realizar o sonho de ser professora.

Nascida em São Paulo, casada com um sul-africano filho de uma brasileira e um português, ela conta que chegou a dar aulas para crianças quando chegou à África do Sul. Mesmo tendo já se passado mais de uma década após o fim do Apartheid, ela lembra que a segregação estava presente no dia a dia das dezenas de alunos que tinha em uma classe multirracial.
“Eu fiquei frustrada em dar aula na África do Sul para as duas culturas (negra e branca). Minha classe era misturada, mas era complicado, até para eu dar minha opinião”, diz a brasileira de pele morena, considerada mulata no país de Mandela. “Cresci com as duas raças. Quando eu vim para cá pela primeira vez, meu esposo falou 'eu não vou te falar nada, mas quando chegar você vai ver o que é'. Foi dolorido para mim saber que as duas culturas ainda não eram tão próximas”, disse.

A paulistana chegou a dar aulas na África do Sul, antes de investir na carreira de cabeleireira.
A paulistana chegou a dar aulas na África do Sul, antes de investir na carreira de cabeleireira. Arquivo pessoal/ RFI

Virada

Essa realidade a levou a abandonar o magistério, em 2012, e a investir na carreira de cabeleireira. Magali parou de atender apenas amigas e pessoas próximas para conquistar clientes, abrindo o próprio negócio. A primeira sociedade, idealizada com uma portuguesa e especializada na venda de produtos brasileiros, faliu dois anos depois.

Entretanto, levando ao pé da letra o ditado que diz que “brasileiro não desiste nunca”, a paulistana recomeçou o negócio em 2014 – desta vez, sozinha. Aprendeu novas técnicas para não ser apenas mais uma no setor e poder se destacar. Em um dos cursos que fez, cerca de 20 anos após o fim do Apartheid, mais uma vez as feridas causadas pelo regime se mostraram abertas.

Magali gosta de valorizar os cabelos cacheados, mas é muito procurada pelos alisamentos "brasileiros".
Magali gosta de valorizar os cabelos cacheados, mas é muito procurada pelos alisamentos "brasileiros". Arquivo pessoal/ RFI

“Um dia, alunas negras estavam no fundo da sala fazendo trancinha uma na outra e eu as chamei para aprender a fazer luzes. Elas disseram que não faziam isso na cultura delas”, recorda-se. “O pior são as brancas que não conseguem fazer o cabelo nem do mulato. Por isso, não consigo contratar ninguém e trabalho sozinha”, disse.
Magali garante que hoje os negócios vão de vento em popa, apesar do quadro recessivo no país. Além do salão em Boksburg, ela mantém um espaço em Durban, a quase 600 quilômetros, para onde viaja uma vez por mês para atender clientes.

Negras buscam alisamentos ou recorrem a perucas

A brasileira estima ter quase 100 clientes fiéis. No site e nas redes sociais do salão, Magali exibe fotos de antes e depois de mulheres atendidas por ela. Quase todas aparecem com cabelos mais lisos do que antes – porém, Magali nega que pregue o alisamento dos cabelos das negras.
“Muitas delas querem alisar, mas meu objetivo é tratar e dar mais vida ao cabelo e valorizar o cacheado”, diz, ressaltando que tem poucas clientes negras.

A brasileira compartilhou em suas redes sociais a animação Hair Love, que venceu o Oscar da categoria este ano exaltando o cabelo encaracolado. Ela também vibrou quando uma sul-africana, de cabelo naturalmente crespo, foi eleita Miss Universo.
“A gente repara que, depois disso, muitas estão aceitando mais o próprio cabelo. Mas o problema é o bullying. Elas vão para escola e os outros dão risada do cabelo duro, afro, algo que acontece até no Brasil. Torço para que isso mude um dia”, comenta.
As negras, explica, tendem a preferir usar perucas, em geral lisas, que são muito populares em países africanos. O acessório é considerado mais versátil, ao possibilitar visuais diferentes com facilidade. Além disso, é mais barato, na comparação com tratamentos capilares.

Escova progressiva é “brazilians” na África do Sul

A escova progressiva, comum no Brasil, é chamada de “brazilians” nos salões sul-africanos. Magali conta que chega a fazer de três a quatro por dia, a preços que variam de R$ 230 a R$ 1.500. “Tenho cliente já marcada para o fim do ano”, comemora.

Com as três filhas e o marido empregados na África do Sul, a empresária não pensa em voltar para o Brasil agora, apesar do assunto de vez em quando surgir em casa. Ela planeja, ao contrário, investir mais no país que a família escolheu para viver, com a abertura de uma franquia na Cidade do Cabo e de um salão só para clientes negras. “Acredito que eu ainda tenha muita oportunidade aqui na África do Sul, mesmo com a crise. Sou muito positiva, nem fico muito pensando na crise. Vou levando, bem brasileira.”

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