Repúdio à corrupção é denominador comum das revoltas populares pelo mundo
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Evo Morales jogou a toalha. Depois de duas semanas de revoltas populares não havia outro jeito. A polícia decidiu confraternizar com os manifestantes, enquanto o exército declarava que não iria intervir contra o povo e pedia a demissão do mandatário. Profunda solidão do presidente boliviano. Ainda por cima censurado oficialmente pela Organização dos Estados Americanos.
As irregularidades na contagem dos votos da recente eleição presidencial foram tantas que a OEA reclamava novas eleições e a renovação geral da composição do tribunal eleitoral local. Evo ainda tentou uma manobra desesperada: anunciou novas eleições e um diálogo com a oposição. Mas abandonado por todos, teve que se demitir.
Pelo visto, estava convencido que o seu poder era eterno. Quatorze anos de presidência e queria mais. Num referendo em 2016, os bolivianos rejeitaram a possibilidade de um quarto mandato proibido pela Constituição, mas o presidente passou por cima. Na eleição, os votos apontaram para um segundo turno mas o tribunal eleitoral às ordens interrompeu o cômputo e declarou Morales vencedor.
Foi a gota d’água, que virou um dilúvio de protestos. Na América Latina – e também no resto do mundo – as razões dessa raiva popular tem pouco a ver com lutas ideológicas.
Mesmo se ainda existem alguns grupos querendo reviver a oposição esquerda/direita – cada um se autoproclamando legítimo representante do povo e chamando o outro de “golpista”. Na Bolívia e no Chile, governos com visões do mundo radicalmente opostas estão enfrentando a mesma rejeição.
Rejeição à corrupção e à arrogância dos políticos
O tema da desigualdade econômica também não está no centro da exasperação das populações. Bem que os anseios materiais frustrados tenham um papel importante. O que os cidadãos não aguentam mais é a corrupção e a arrogância das classes políticas: governos, parlamentos e instituições judiciárias que só pensam em manter suas vantagens e que nem se dignam resolver os problemas concretos das pessoas, por menor que sejam. Esse repúdio generalizado contra os dirigentes políticos é alimentado pela própria modernidade tecnológica. Hoje não há mais mobilização sem redes sociais.
E nessas redes o que conta é a emoção imediata. Qualquer tipo de autoridade está desaparecendo. Cada opinião on-line é imediatamente criticada e refutada por bandos de internautas, governos estrangeiros ou simples cidadãos. Boa parte dos presidentes ou ministros no mundo tentam influenciar a opinião pública com tuites quase diários. Só que essas tentativas são imediatamente estraçalhadas na imensa máquina de lavar-roupa midiática.
A questão é como governar e administrar uma coletividade – nacional ou local – ao mesmo tempo fragmentada, hiperconectada e empoderada pelas redes. Na América Latina, no Oriente Médio, na Ásia ou até na Europa, as populações que vão às ruas, durante semanas e meses a fio, recusam qualquer tipo de representação e não querem saber de projetos sociais utópicos. As palavras de ordem são: administradores eficientes, mas que prestem contas de maneira transparente e possam ser revogados quando não dão satisfação. Qualquer representação – partidos, sindicatos, governos e até instituições – estão desacreditados.
Mudanças nas Constituições
Tornou-se urgente mudar profundamente as Constituições para adaptá-las às novas aspirações das populações. Foi o que já anunciou o presidente chileno Sebastián Piñera, depois do seu homólogo francês Emmanuel Macron. E a classe política boliviana não vai poder escapar desse exercício. Alguns acham que dá para regressar ao mundo de ontem. Segurando as revoltas na porrada – caso da Venezuela, Argélia, Iraque ou China – ou prometendo retornar a um passado mitificado – como Lula, Cristina Kirchner, a extrema direita europeia ou as facções religiosas libanesas. *
Só que os cidadãos não são mais “massa de manobra”, e não estão nada a fim de voltar a um passado que eles já rejeitaram. O segredo é resolver seriamente os problemas cotidianos concretos das pessoas. As velhas receitas já mostraram que não funcionam e as novas vão ter que mostrar serviço. Caso contrário, deverão enfrentar uma raiva popular permanente. Benvindos à nova forma de governar!
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