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O Mundo Agora

Nova geração hiperconectada se rebela contra velharia no poder

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O mapa-múndi das revoltas populares tem um ar de 1968. De Santiago do Chile a Hong Kong, de Beirute a La Paz passando por Bagdá, Argel e até na França, multidões (sobretudo jovens) estão nas ruas gritando contra “tudo que está aí”. Como se houvesse uma insurreição da nova geração contra a velharia no poder.

As revoltas populares que sacodem autalmente vários paises com um ar de maio de 1968. Foto: Praça dos Mártires durante protestos anti-governamentais no centro de Beirute, Líbano, 3 de novembro de 2019.
As revoltas populares que sacodem autalmente vários paises com um ar de maio de 1968. Foto: Praça dos Mártires durante protestos anti-governamentais no centro de Beirute, Líbano, 3 de novembro de 2019. REUTERS/Andres Martinez Casares
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Os pretextos para manifestar são extremamente diversos e dependem de cada lugar. Mas o que une esses vários movimentos é bem diferente de maio 1968. Nada a ver com visões ideológicas: esses movimentos contra o chamado “sistema” não estão defendendo nenhum projeto ou utopia social alternativos. Estamos longe das lutas antigas contra a desigualdade de riqueza ou pelo ideal de uma sociedade mais justa.

Hoje, pouca gente acredita nos velhos modelos ultrapassados, defendidos por dirigentes de direita ou de esquerda. A reivindicação principal é simplesmente ser tratado com dignidade: que cada cidadão possa esperar um mínimo de bem-estar por parte dos governos que pretendem representá-lo. O coração dessa demanda é exigir que autoridades políticas e econômicas – qualquer que seja o regime político – resolvam concretamente os problemas básicos: serviços públicos funcionando, sistemas de saúde corretos, educação de qualidade, aposentadorias suficientes, liberdade de expressão e uma sociedade onde os filhos tenham chances de subir na vida.

Em nosso mundo hiperconectado, essas reivindicações básicas estão se universalizando rapidamente. Cada um, na ponta do celular, pode ver e sentir como se vive nas outras partes do globo. Um cartaz nas ruas de Argel foi taxativo: “Queremos viver numa sociedade moderna!”. Acabar com a pobreza extrema ainda é uma prioridade absoluta em muitos cantos do mundo, mas até nesses terríveis bolsões isto não basta mais. A revolta popular está alimentada por uma mesma convicção: os donos do poder não sabem mais como entregar às populações esses alicerces da convivência social. Pela simples razão de que tudo está mudando em alta velocidade.

Modelo em decadência

O modelo central do século XX – a produção de massa para o consumo de massa, turbinado pela comunicação de massa – está se desintegrando. E com ele, toda a organização política que vinha junto: sindicatos, partidos, corporações, administrações, Estados nacionais soberanos. As elites e as instituições puramente nacionais perderam a capacidade de administrar a emergência da sociedade sem fronteiras, fundada na conexão e nas inovações permanentes, na produção “digital” e no consumo personalizado. Tudo acelerado pela nova globalização selvagem avançando pela internet. Diante da própria impotência, os dirigentes tradicionais, seja qual for o matiz ideológico, se refugiam na ideia vã de manter o status quo, suas vantagens e seu poder. Sem nenhuma capacidade de propor soluções sérias à angústia das populações.

Não é nada surpreendente que os movimentos de protesto no mundo inteiro não tenham mais confiança nesses ditos “representantes”. E que o grito da fúria popular não é “viva a revolução”, mas “fora com todo eles!”. No Líbano, no Iraque ou na Argélia ninguém aguenta mais se submeter ao poder incompetente das velhas elites que se sucedem no topo do Estado há décadas. Boa parte dos bolivianos não quer mais saber do poder esclerosado de Evo Morales que não quer de jeito nenhum largar a rapadura. No Chile, apesar das boas performances econômicas, as pessoas estão cansadas de ver sempre as mesmas caras, da direita e da esquerda. Os jovens de Hong Kong estão apavorados de ter que obedecer ao velho Partido Comunista Chinês. Na Europa, os antigos partidos históricos estão todos se desintegrando lentamente.

Qual serão, no futuro, as formas de organização política e econômica adaptadas à nova época? E que sejam capazes – sem a farsa das demagogias populistas – de estabelecer uma relação de confiança entre populações e poder, e criar ferramentas para responder às aspirações básicas das pessoas? Ninguém sabe. Não vai ser para amanhã, mas as novas gerações, com suas revoltas, estão abrindo o caminho.

* Alfredo Valladão é professor de Ciências Políticas da Sciences-Po de Paris e assina uma crônica semanal  às segundas-feiras na RFI

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