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Linha Direta

"Ocidente deveria pressionar a China por mais democracia", diz líder exilado após massacre na Praça da Paz Celestial

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O Massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, completa 30 anos nesta terça-feira (4). A imagem do homem que desafia uma fileira de tanques na principal praça da capital chinesa é um emblemático registro do século XX. As manifestações de estudantes e trabalhadores pedindo reformas democráticas e mais liberdades foram reprimidas de forma sangrenta. Passadas três décadas, esse importante episódio da história recente do país asiático segue sendo censurado.

Barreira policial na Praça Tiananmen em Pequim, China, 4 de junho de 2019.
Barreira policial na Praça Tiananmen em Pequim, China, 4 de junho de 2019. REUTERS/Thomas Peter
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Luiza Duarte, correspondente da RFI em Hong Kong

 

Relembrar o massacre da Praça da Paz Celestial (Tiananmen) na China é um gesto de resistência na China. O tema tem forte carga política. Nos dias que antecedem o aniversário, a vigilância sobre ativistas, sobreviventes, familiares de vítimas, advogados e jornalistas é reforçada. Qualquer referência à imagem do “homem dos tanques”, à data de 4 de junho de 1989, aos protestos ou ao massacre seguem banidos no país e na internet chinesa.

 

Persiste uma grande disparidade entre o número de vítimas reconhecido pelo governo e o estimando por organizações de direitos humanos. Muitas pessoas tiveram que fugir do país, outras foram presas, torturadas e vivem com marcas físicas e psicológicas da violência de Estado. As vítimas não foram reconhecidas ou indenizadas. Envolvidos no massacre não enfrentaram consequências jurídicas. O massacre segue como uma ferida aberta na China.

Dois dias após o massacre, o governo chinês falou em quase 300 mortos. O embaixador do Reino Unido na época evocou 10.000 mortes e a Cruz Vermelha Chinesa, 2.700. Em geral, segundo dados hospitalares, estima-se que houve entre 400 e mais de 1.000 mortos.

Wu'er Kaixi, na época um dos líderes estudantis, vive hoje exilado em Taiwan. De passagem por Paris, ele falou à RFI:

"Tínhamos esperança, mas tudo terminou em massacre. Vivo no exílio há 30 anos, mas não perdi a esperança. Mas será extremamente difícil para a nova geração chinesa de hoje se mobilizar e ocupar a praça como fizemos, pois o governo chinês se tornou um dos regimes mais totalitários e violentos do mundo. Eu acuso o mundo e principalmente o Ocidente por ter ajudado a China a se tornar o que é. Será que o povo chinês poderá um dia protestar de novo? O Ocidente tem sua parte de culpa e deveria pressionar a China por mais democracia. Há 30 anos, a comunidade internacional trata a China como se fosse um governo responsável. Na época, acreditávamos que isso ia dar certo, mas infelizmente, o regime escolhou a pior das opções e hoje o mundo inteiro vê as consequências disso."

Protestos

As manifestações e homenagens às vítimas do massacre continuam proibidas na China Continental. Hong Kong é a única parte do país onde a data pode ser lembrada. No território autônomo chinês, que tem um sistema jurídico distinto, pelo menos uma dezena de eventos vão recordar os 30 anos do massacre. A tradicional vigília anual no Parque Vitória deve atrair 100 mil pessoas. Também estão programados debates, missas, recitais e lançamentos de livros.

A data se transformou em um grande encontro de ONGs, associações e partidos progressistas. O dia é marcado por discursos de lideranças nas ruas e ações de voluntários para coletar doações para movimentos pró-democráticos.

Autoridades reivindicam "benefícios" da repressão

A China não é o único Estado que tenta determinar à força o que faz ou não parte da história, mas o país se empenha na construção de um discurso linear, no qual não há espaço para dissonância. O vasto aparato de mídia pública chinesa evita o assunto. É raro que as autoridades discutam publicamente o ocorrido, mas isso aconteceu nesta semana. No Fórum de Segurança Diálogo de Shangri-La, realizado no último fim de semana em Singapura, o ministro chinês da Defesa, general Wei Fenghe, afirmou que foi "correta" a decisão tomada pelo governo chinês, em 1989, para lidar com a mobilização política. Para o militar, ela garantiu à China “estabilidade e desenvolvimento”.

O ministro da Defesa reforçou o discurso oficial de que a forma como o governo agiu deixou o país “imune” contra turbulências políticas. Para Pequim, a ação do partido foi um “divisor de águas” que significou a “diferença entre o rápido progresso econômico da China e o destino de outros países comunistas”, como defende o editorial da publicação chinesa Global Times dessa semana (http://www.globaltimes.cn/content/1152903.shtml). O texto, no entanto, só aparece na edição em inglês do jornal.

As manifestações eram vistas como “contrarrevolucionárias”. Elas defendiam reformas de inspiração ocidental em um momento de transição do período maoísta. No mesmo ano de 1989, o mundo viu a queda do Muro de Berlim e depois a ruína do bloco soviético.

Taiwan e Hong Kong zelam pela resistência

Taiwan não esqueceu os eventos trágicos do 4 de junho de 1989. O governo da ilha declarou nesta semana que o ocorrido foi um “erro histórico” e que "a China tem que se arrepender sinceramente” e buscar “reformas democráticas".

Em Taipei, foi vista este mês uma instalação composta por um tanque e um homem infláveis recriando a famosa cena do massacre na Praça da Paz Celestial. A estátua da Deusa da Democracia, outro símbolo dos protestos, apareceu na cidade. A imagem em gesso de uma mulher é uma réplica da original criada por estudantes em Pequim durante as manifestações.

Em Hong Kong, pode ser visitado o único museu no mundo sobre o massacre. O acervo permanente existe há cinco anos, mas já passou por vários endereços, fechou e reabriu, e tenta resistir à pressão política.

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