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“No Brasil, há uma tendência a encobrir escândalos sexuais”, diz membro do comitê que discute pedofilia na Igreja

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O discurso do papa Francisco no encerramento na Cúpula no Vaticano, que discutiu abusos sexuais cometidos pelo clero da Igreja Católica, decepcionou muitas vítimas e associações que esperavam uma posição mais contundente do sumo pontífice sobre o flagelo que nos últimos anos abala a imagem da instituição. Por outro lado, o evento foi saudado como um passo inédito e um marco fundamental na luta contra a pedofilia e a tendência a encobrir os escândalos sexuais.

O teólogo Nelson Giovanelli Rosendo dos Santos.
O teólogo Nelson Giovanelli Rosendo dos Santos. Arquivo pessoal
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“A Igreja está enfrentando o problema de ‘cara’, no sentido de não permitir mais que este sofrimento, esta ferida, fique aberta na vida dos menores e de seus pais”, afirma Nelson Giovanelli Rosendo dos Santos, membro da Pontifícia Comissão para Proteção dos Menores, criada pelo papa para combater os abusos sexuais envolvendo a Igreja Católica.

“É sem dúvida um momento doloroso, mas de purificação, e vai produzir muitos frutos”, garante o único representante brasileiro na comissão, que se reúne duas vezes por ano no Vaticano. O próximo encontro será no mês de abril. 

Segundo Nelson, a Igreja Católica vem trabalhando há 30 anos, desde que nos países anglo-saxônicos explodiram os casos que jogaram luz sobre o fenômeno do abuso sexual por parte do clero. Seguiram-se denúncias em muitos outros países, e a lista inclui Inglaterra, Estados Unidos, Irlanda, Austrália e Chile.

“Este evento marca o momento em que se está universalizando em toda a Igreja o que já ficou estabelecido em documentos para saber como enfrentar a questão do abuso sexual, seja do ponto de vista do acolhimento das vítimas até procedimentos contra os abusadores”, declarou.

O Brasil, com outros dois países, as Filipinas e a Zâmbia, foi escolhido pelo Vaticano no ano passado para desenvolver um projeto-piloto para trabalhar na questão dos abusos sexuais na Igreja.

A escolha, segundo Nelson Giovanelli, se deve à experiência do país com comitês consultivos, uma ideia que surgiu na Inglaterra e reúne vítimas que sofreram de abuso sexual por parte dos religiosos. A proposta é que elas possam dar, com suas experiências, subsídios para as igrejas locais enfrentarem os problemas.

No Brasil, o comitê do projeto-piloto, formado por oito membros, irá dar elementos e apoio para o trabalho a ser desenvolvido pela CNBB. “A Conferência Episcopal Brasileira já respondeu ao apelo da Congregação da Doutrina da Fé para a elaboração de uma espécie de ‘manual de procedimentos’ com orientações para atuar em casos de denúncias de abuso sexual”.

No entanto, o leigo admite, que, comparado com outros países, o Brasil ainda está atrasado em relação ao acompanhamento às vítimas. “Esta experiência ainda é bem inicial. Mesmo que a Igreja já tenha trabalhado na elaboração do Manuel de orientações, a estrutura da Igreja, através desses tribunais eclesiásticos, precisa trabalhar mais na formação de como acolher as denúncias. O trabalho de encaminhar as denúncias depois de uma investigação prévia à Congregação da Doutrina da fé já é feito, mas falta uma consciência geral, primeiramente por parte dos bispos, clérigos e de todos nós, povo de Deus, que devemos trabalhar juntos neste sentido”, avalia.

O atraso no Brasil, em relação à melhor agilidade e tratamento da denúncia, é justificado pelo medo de falar e denunciar. “Mas o pior é a tendência de querer encobrir (os casos), por medo de que se provoque um escândalo e se fira a imagem da instituição. Isso retarda o processo de eliminação”, acrescenta.

“Quando não se tem medo, elimina-se o encobrimento, pode-se enfrentar e aí começa inclusive um processo de prevenção”, acredita.

O teólogo Nelson Giovanelli Rosendo dos Santos com o Papa Francisco
O teólogo Nelson Giovanelli Rosendo dos Santos com o Papa Francisco Arquivo pessoal

Acabar com o medo

Apesar de todas as boas intenções de combater a pedofilia na Igreja, vê possibilidades de que esse esforço possa não confirmar as expectativas geradas em fiéis e nas vítimas. “Riscos existem. A natureza humana tem o bem e o mal. O medo de querer enfrentar esse problema sempre vai continuar existindo”, confessa. No entanto, o que considera o esforço do papa Francisco de chamar todos os presidentes das 114 Conferências Episcopais uma grande demonstração que poderá ajudar no resgate da imagem da Igreja Católica como uma “mãe amorosa” que acolhe a todos, como ambiciona o sumo pontífice.

“Nos países anglo-saxônicos esse processo de resgate já começou e está caminhando a passos largos nesse sentido”, afirmou. “Falando abertamente e começando de seu próprio interior, a Igreja começa um caminho que vai influenciar também outros segmentos que sofrem tremendamente, especialmente o ambiente familiar, social, de escolas, em todos os níveis. A Igreja pode servir de exemplo”, acredita.  

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