Copa é ocasião para Putin ganhar pontos no Ocidente, apesar de boicotes
Um Vladimir Putin caloroso recepciona os torcedores dos cinco continentes que visitam a Rússia para a Copa do Mundo, a partir desta quinta-feira (14). No vídeo oficial, o presidente russo diz que “nós abrimos nosso país e nosso coração ao mundo”. A chance de a equipe russa levantar a taça é mínima, mas o evento, um dos mais importantes do esporte, é uma chance de ouro para o líder passar uma outra imagem do país, degradada no exterior após uma série de embates geopolíticos com o Ocidente.
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Conflito na Ucrânia, guerra da Síria, acusações de ingerência na eleição americana e, mais recentemente, suspeita de envenenamento de um ex-espião soviético refugiado na Inglaterra. A lista de temas que azedaram as relações com os países ocidentais desde 2014 é longa – ao ponto de que praticamente nenhum dirigente estrangeiro está em Moscou para a abertura do Mundial, à exceção de governantes da Ásia Central e do Cáucaso, além do presidente de Ruanda e do príncipe saudita Mohammed ben Salman.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, recusou o convite, enquanto os britânicos anunciaram que nenhum integrante do governo ou da realeza participaria do evento, em represália à tentativa de assassinato de Sergei Skripal e sua filha. A acusação foi negada pelos russos, mas mesmo assim gerou a maior onda de expulsões e retirada de diplomatas entre Moscou e os ocidentais já vista. Ironia do destino, a seleção dos Estados Unidos não se classificou para a competição.
“Com a Copa, Putin terá a chance de apresentar uma imagem positiva e moderna do país, sobretudo para os turistas e torcedores, e mostrar que a Rússia pode ser acolhedora, apesar de tudo de negativo que vem sendo dito sobre ela”, observa Pascal Boniface, diretor-geral do IRIS (Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas), de Paris, em entrevista à RFI. “Ela pode estar sendo ignorada pelos dirigentes ocidentais, mas o fato é que está acolhendo o mundo durante a Copa.”
Metrôs com tradução em inglês e aeroportos modernizados são algumas das medidas adotadas para seduzir os turistas. Na política, o Kremlin lançou mão de uma cartada de comunicação: nesta manhã, libertou da prisão o maior opositor ao governo russo, Alexei Navalny, que estava detido há 30 dias por organizar manifestações contrárias a Putin. “É um gesto de boa vontade para reagir, de antemão, às críticas sobre direitos humanos e repressão no país. Com isso, o Kremlin espera baixar a pressão a respeito dessas delicadas questões”, explica o pesquisador.
Racismo e torcedores violentos
Em L’Empire Foot – Comment le ballon rond a conquis le monde ("Império Futebol: como a bola conquistou o mundo", em tradução livre), Boniface chama a atenção para o softpower gerado por eventos como a Copa: uma oportunidade para reverter antigos clichês e modernizar a imagem de um país que, por vezes, é ultrapassada.
“Por exemplo, um desafio será o controle dos gritos racistas comuns nos estádios russos. Se eles ocorressem, reforçariam uma imagem muito negativa da Rússia”, observa o especialista. “Putin se envolveu nessa questão para fazer o possível para evitar insultos contra jogadores africanos e equipes multiculturais. O número de câmeras nos estádios aumentou muito. O governo também fez um intenso trabalho para evitar as ações de hooligans, já que os russos estão entre os mais violentos.”
Esporte é ferramenta política desde a União Soviética
À France 24, emissora parceira da RFI, o historiador Charles Urjewicz, especialista na história russa e do Cáucaso, destaca que, na antiga União Soviética, o esporte sempre foi visto como uma atividade política de primeiro plano. As modalidades eram encaradas como ferramentas para enquadrar e educar as classes populares, em especial após os anos 1930.
“O próprio Putin construiu uma imagem positiva dele mesmo com a ajuda do esporte, exibindo-se em atividades esportivas, musculoso. A ideia por trás disso é: esse homem forte é capaz de comandar o país com mãos de ferro”, afirma.
Urjewicz observa que o presidente russo não tem dúvidas de que pode se fortalecer politicamente graças à competição, que ocorre dois meses após a sua reeleição para um segundo mandato no cargo, no qual se manterá até 2024. “Na tradição soviética, na qual ele se forjou, um grande evento esportivo como a Copa do Mundo é eminentemente político”, sublinha o historiador.
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