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Gaza

Em Gaza, mulheres ocupam a linha de frente dos protestos

Elas são milhares a ocupar o front e a defenderem a causa palestina. Na Marcha do Retorno, mulheres de Gaza, sobretudo jovens, não são maioria, mas marcam presença. Um militantismo com características feministas, que nasce no ambiente familiar, passa pelas redes sociais e ganha cada vez mais força nos protestos.

Mulheres palestinas na fronteira com Israel na Faixa de Gaza. 20/04/18
Mulheres palestinas na fronteira com Israel na Faixa de Gaza. 20/04/18 MOHAMMED ABED / AFP
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Em uma sociedade tradicional e machista como a palestina, a luta das gazeias é dupla, não apenas pela sobrevivência de seu povo - oprimido e massacrado há décadas pela expansão de Israel - mas também por seus direitos como mulheres. Na zona fronteiriça com Israel, algumas se arriscam a integrar a linha de frente, embora sejam quase invisíveis na tomada de decisões.

A pressão vem de todos os cantos. Se do lado palestino as vozes das gazeias ainda não podem ecoar plenamente, do lado israelense, a estratégia é culpabilizar as mulheres. No Twitter, no último 5 de abril, o porta-voz em árabe do exército israelense, Avichay Adraee, não mediu o nível da misoginia ao publicar: "A boa mulher é a mulher de honra que se ocupa de seu lar e seus filhos. A mulher depravada e sem honra não se responsabiliza por essas coisas e age de maneira selvagem contra sua natureza feminina, sem se preocupar da forma como isso é percebido pela sociedade".

11 de maio, em Gaza, durante uma manifestação na fronteira com Israel.
11 de maio, em Gaza, durante uma manifestação na fronteira com Israel. REUTERS/Ibraheem

"Quero servir de modelo a outras mulheres"

O machismo com o qual convivem as gazeias não parece, no entanto, abalar o engajamento delas. "Quero servir de modelo a outras mulheres", diz Walla Abou Naji, de 28 anos, entrevistada pelo jornal Le Monde durante uma manifestação próxima à fronteira de Gaza com Israel. Morrer como mártir, queimando uma bandeira israelense, diante de um exército implacável, seria motivo de orgulho para sua mãe, diz a jovem, originária de uma família pobre do norte de Gaza.

O feminismo no território palestino parece não encontrar fronteiras na classe social. Bissan Yazouri, de 21 anos, é estudante de literatura inglesa; o pai é funcionário do Ministério do Interior; o irmão mais velho é imam, o mais novo é estudante de engenharia.

A garota não faltou a uma marcha desde o início do movimento, em 30 de março. "Desde a nossa infância, fomos educados para defender nossos direitos, com a ideia de que não somos originários de Gaza, que temos que voltar para nossas terras utilizando todos os métodos pacíficos", diz a estudante ao jornal Le Monde.

Diferente de Walla, a militância da jovem Bissan também utiliza as redes sociais para se expressar e convocar os amigos às manifestações. No Facebook, ela compartilha vídeos dos ataques dos soldados israelenses e insiste, sobretudo, no caráter pacífico das marchas. "É dever de cada palestino participar dos protestos. Aqueles que não vêm devem estar conscientes de suas responsabilidades", reitera.

Uma mulher com uma bandeira palestina durante protestos contra a instalação da embaixada americana em Jerusalém. Fronteira entre Israel e Gaza, no sul da Faixa de Gaza, em 14 de maio de 2018.
Uma mulher com uma bandeira palestina durante protestos contra a instalação da embaixada americana em Jerusalém. Fronteira entre Israel e Gaza, no sul da Faixa de Gaza, em 14 de maio de 2018. REUTERS/Ibraheem Abu Mustafa

Fenômeno das redes sociais

Já Zahr Al-Najjar, de 19 anos, se transformou no fenômeno das redes sociais em Gaza. Filha de um político do Fatah, estudante de jornalismo e funcionária de uma companhia de telecomunicação, a garota tem quase 76 mil seguidores no Instagram, onde publica posts sobre a causa palestina.

O objetivo era, no início, falar de sua cidade, Rafah, e seus habitantes. Mas, atraindo a atenção de toda Gaza, Zahr foca sua militância nas mulheres e crianças, ressaltando que não realiza nenhuma atividade política. Desde o início da mobilização, a estudante também fotografa os manifestantes, as marchas e os exibe em sua conta no Instagram.

A jovem espera, daqui a dez anos, estar trabalhando para algum canal de TV internacional. "Nenhum homem vai me algemar", diz a estudante que declara não ter pressa para se casar e priorizar sua liberdade.

A estudante de jornalismo, Zahr Al-Najjar
A estudante de jornalismo, Zahr Al-Najjar @zahr

Política não é a maior barreira das mulheres de Gaza

Outra estudante de jornalismo se destaca na linha de frente das marchas. Jumana Adnan Mushtaha, de 20 anos, faz parte de um comitê voluntário que documenta o movimento. Ativa nas redes sociais, ela também coleta e transmite informações às agências locais.

Posicionada diante da fronteira, ela se diz disposta a morrer pela causa, mas, quando viu um jovem cair ao ser baleado nas pernas – cruel estratégia do exército israelense - repensou sua militância. "Posso morrer, mas não quero ser ferida, ter que lidar com uma deficiência física e ser um peso para minha família", diz.

Segundo ela, as mulheres têm uma forte influência em Gaza, "como mãe, irmã ou filha". Mas, ressalta, é a religião e não a política a maior barreira das gazeias. A estudante tem permissão dos pais, por exemplo, para participar das marchas, mas não para passear sozinha. "Depois das 17 horas não posso estar desacompanhada, senão vão me olhar atravessado, como se eu fizesse algo de ruim."

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