Para incômodo dos republicanos, analistas políticos detectaram uma semelhança embaraçosa, no que diz respeito à estratégia americana na Síria, entre Donald Trump e Barack Obama. Os dois não apostam na eficácia de uma permanência a longo prazo de tropas americanas no conturbado país do Oriente Médio.
Depois de ter afirmado à imprensa na última terça-feira (03) de que iria retirar imediatamente as tropas da Síria, o que gerou enorme preocupação na comunidade internacional, Trump voltou atrás. Após reunião com os comandantes militares americanos, ele concordou em deixar por mais alguns meses os cerca de 2 mil soldados e oficiais para finalizarem o treinamento das tropas locais e finalizarem a luta contra o Estado Islâmico.
Semelhanças entre republicanos e democratas
Parece que finalmente foi encontrado um tópico na política externa em que a administração republicana segue a linha de sua antecessora democrata. É bem mais fácil buscar exemplos de divergências como a tentativa de desmantelamento da política externa democrata, como a retirada dos EUA do Acordo do Clima de Paris ou as ameaças em relação ao Acordo Nuclear com o Irã.
Mas no caso da Síria analistas apontam semelhanças claras: os dois presidentes vêem o conflito como um evento regional e fontes das duas Casas Brancas deixavam escapar o desagrado com a pressão da Arábia Saudita para Washington sufocar o governo de Bashar al-Assad. Tanto para Obama como para Trump a Síria seria mais um teatro de guerra para a batalha contra o Estado Islâmico e, com a derrocada deste, não haveria mais razão para os EUA manterem força
Os republicanos capitalizaram internamente a decisão do presidente Trump de atacar bases aéreas do governo sírio no ano passado, algo que Obama jamais fez. A retaliação ao uso de armas químicas pelo governo sírio, que teria causado a morte de quase uma centena de civis, não mostrava que a nova Casa Branca havia revisto o protagonismo americano no conflito.
Setoristas da Casa Branca afirmam que foi um ato isolado, voltado para o consumo interno. O presidente Trump, exatamente como seu antecessor, não vê a guerra civil síria como crucial para a segurança interna americana, o que preocupa aliados europeus. Ao contrário da Comunidade Europeia, os EUA não têm de lidar com a emergência humanitária dos refugiados. Entrevistado na edição de hoje do “New York Times” o ex-embaixador dos EUA na Síria durante a administração Obama, Robert S. Ford, hoje professor da Universidade de Yale, afirmou que embora Obama e Trump tenham visões muito diversas do futuro dos EUA, os dois se encontram ao priorizarem a economia interna em detrimento à diplomacia internacional.
O próprio professor Ford lembra que a situação hoje é de fato complexa do ponto de vista americano, com as forças governistas de Assad atacando, juntamente com iranianos e russos, os rebeldes apoiados pelos EUA, com os curdos, ao norte, que receberam armamentos americanos somente na administração Trump, sofrendo com a investida dos turcos. E que o Estado Islâmico, preocupação central dos EUA, já não é mais um ator importante no teatro de guerra sírio.
Trabalho em vão?
O Pentágono teme que a retirada dos americanos sem a eliminação completa do Estado Islâmico acabe oferecendo a oportunidade ideal para o ressurgimento do grupo terrorista e um trabalho de três anos jogados fora. Já Arábia Saudita e Egito não querem deixar a Síria na zona de influência do Irã e temem a formação de um eixo Teerã-Damasco, com apoio russo, sufocando as pretensões de hegemonia sunita na região.
Por sua vez, as outras duas maiores potências da região, Turquia e Israel, têm interesses específicos, os turcos querendo evitar um Curdistão independente, já que os curdos são maioria em várias províncias do país e poderiam forçar um movimento secessionista, e os israelenses querendo evitar um governo central forte em Damasco que possa ameaçar o país pelo norte. Uma situação confusa que só tende a ficar mais caótica com a saída abrupta das tropas dos EUA da Síria.
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