Acessar o conteúdo principal
Brasil-Mundo

Brasileiro, descendente de nobres russos, funda museu em Moscou

Publicado em:

A bela mansão na rua Staraya Basmanaya quase passa despercebida em uma área de Moscou onde ainda há um punhado de casas do século XVIII   a maioria esquecida pelo tempo. Mas a fachada minuciosamente recuperada do edifício tombado, hoje o Museu-Casa Mourafiev-Apostol, mostra que o endereço ainda tem história pela frente. Russa e brasileira. Um dos símbolos de uma parte importante da construção da Rússia contemporânea, é o único caso de propriedade confiscada pelos Bolcheviques que foi recuperada pela família.

O banqueiro Christopher Mourafiev-Apostol conseguiu o usufruto da mansão da família em Moscou, que transformou num centro cultural da cidade.
O banqueiro Christopher Mourafiev-Apostol conseguiu o usufruto da mansão da família em Moscou, que transformou num centro cultural da cidade. Divulgação
Publicidade

Brasileiro de origem nobre russa, o banqueiro Christopher Mourafiev-Apostol é o protagonista desta história inédita da Rússia pós-soviética. Conseguiu o usufruto da bela mansão da família em Moscou, que transformou em um elegante centro cultural da cidade com exposições e concertos durante o ano inteiro. A inauguração aconteceu em 2016 e teve como seu primeiro evento a mostra “Gênesis”, do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado. A casa ainda não é totalmente dele. Depois das reformas pesadas realizadas no edifício, Christopher paga um rublo por mês de aluguel à prefeitura de Moscou, como prevê uma lei recém-editada, e, ao final de 49 anos, terá o direito de comprar o imóvel.

“Fomos a convite de uma fundação cultural encabeçada por Raíssa Gorbachev, que entrou em contato com descendentes de famílias de russos brancos, que tinham objetos e relíquias no Ocidente e que talvez quisessem retorná-las à Rússia, agora que, graças ao marido dela, não era mais uma Rússia branca contra uma Rússia vermelha”, explica Christopher que só conheceu o país aos 31 anos. “Chegamos lá em janeiro de 1991, estava um frio desgraçado. A Rússia e a União Soviética estavam desmoronando. Eu não falava uma palavra de russo. E chegando do Brasil, realmente, acho que o contraste não poderia ter sido maior”, completa.

Nobres revoltosos

O sobrenome Mourafiev-Apostol, festejado até hoje pelos russos, ficou conhecido há pelo menos 200 anos. Fazia parte do grupo dos aristocratas condenados pelo czar Nicolau I após uma revolta, quando se recusaram a aceitar o novo czar. Em 26 de dezembro de 1825, os rebeldes conduziram uma tropa de três mil soldados, acreditando que seriam seguidos por outros na capital, para derrubá-lo. Mas, os decembristas, como ficaram conhecidos, foram presos, julgados e condenados.

O primeiro grupo foi enviado para Irkutski em 1826. Foram recebidos, não como criminosos, mas como heróis pelo povo da cidade, o que fez o czar rever as penas para trabalhos forçados, incluindo longas jornadas nas minas de carvão. As mulheres de dois deles, a princesa Volkonskaya e a duquesa de Trubstskoi, resolveram acompanhar os maridos num exílio voluntário. O líder, Sergei Mourafiev-Apostol, foi executado. A cópia da carta que escreveu para a família, despedindo-se e se desculpando pelo sofrimento, está em exibição na casa. Apesar da origem nobre, acabaram reverenciados pelos comunistas porque não aceitarem a servidão do país e combaterem o czarismo.

Durante a revolução de 1917, a mansão da família, como tantas outras propriedades pela Rússia, foi confiscada. Foi usada como escola por alguns anos e como prédio administrativo do governo. Em 1925, o Comissário do Povo para Educação, Anatoly Lunacharsky, quis criar um Museu dos Decembristas ali, mas a ideia nunca saiu do papel. Foi durante a Perestroika que o museu foi ser aberto. Mas, por pouco tempo, porque o edifício estava caindo aos pedaços, assim como o regime soviético, que entrou em colapso pouco depois, em 1991.

Por sorte, a família de Christopher estava fora da Rússia durante os momentos mais críticos da revolução. De férias na França, arrumaram as malas, mas nunca mais voltaram ao país. Viveram entre a Inglaterra, a França e a Suíça. O pai de Christopher, funcionário das Nações Unidas, foi transferido para o Brasil onde se casou com uma brasileira e teve um filho.

“Sem a revolução, a vida da nossa família seria bem mais fácil. Aquela vida provavelmente de aristocracia, com muitas terras. Uma vida relativamente previsível. Por outro lado, nós não teríamos existido, a geração atual. A revolução fez com que meu pai acabasse indo para o Brasil, onde se casou com uma brasileira. Sou muito grato por ter nascido no Rio, tive anos muito felizes crescendo naquela cidade maravilhosa. Outra grande sorte foi poder ter voltado para a Rússia depois de terminado o regime soviético. A Rússia me deu muitas aventuras, uma carreira. É com um imenso prazer que eu, um pouco graças a esse museu, faço parte da vida da cidade”, explica Christopher.

Artistas brasileiros

Neste momento, a casa apresenta uma exposição e uma loja pop-up, temporária, da marca Louis Vuitton. Na lista dos próximos eventos estão um concurso internacional de fotografia e uma exposição do artista brasileiro Vick Muniz.

“A restauração do prédio durou mais de 10 anos. Agora, enfim, começou a parte que eu acho mais divertida, a organização de exposições, concertos e eventos. A primeira grande exposição que a gente fez foi o ‘Gênesis’ do Sebastião Salgado. Eu sabia que seria um grande sucesso. Já tinha sido vista por mais de três milhões de pessoas no mundo inteiro, e ainda tinha muitas fotos da Rússia. No final, contabilizamos um público de 25 mil pessoas”, conclui Christopher, sem esconder uma ponta de orgulho.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.