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O Mundo Agora

Separatismos são motivados pela desconfiança das populações nos governos centrais

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O independentismo catalão é só a ponta do iceberg. Vários Estados nacionais no mundo estão enfrentado o canto das sereias secessionistas. Claro, Catalunha é um exemplo de radicalismo extremo na tentativa de proclamar a independência de maneira unilateral e ilegal. Os soberanistas catalães – que não chegam a ser maioria da população local – passaram por cima não só da Constituição nacional, mas também do seu próprio estatuto de autonomia territorial. 

Manifestação organizada pelos movimentos catalões pró-independência ANC (Assembleia Nacional Catalã) e Omnium Cutural, após prisão de dois líderes: Jordi Sanchez e Jordi Cuixart, em Barcelona, Espanha, 21/10/17.
Manifestação organizada pelos movimentos catalões pró-independência ANC (Assembleia Nacional Catalã) e Omnium Cutural, após prisão de dois líderes: Jordi Sanchez e Jordi Cuixart, em Barcelona, Espanha, 21/10/17. REUTERS/Gonzalo Fuentes
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Mas enquanto a Espanha mergulha no drama, as lideranças das duas regiões mais ricas da Itália – a Lombardia e o Vêneto – convocaram referendos para pedir mais autonomia. Mas a diferença é abissal: o voto não é vinculante e acatou todas as normas constitucionais. E as duas regiões deixaram bem claro que não querem independência nenhuma. É só uma maneira de reforçar a posição das autoridades locais numa negociação com Roma.

Na verdade, independência “hard” ou soluções “soft” de devolução de poderes a instâncias regionais é farinha do mesmo saco. O resultado é sempre a fragmentação do poder dos Estados centrais. No caso de Milano e Veneza, a reivindicação principal é recuperar os impostos pagos pela região a fim de investi-los em casa. Os territórios ricos do norte não querem mais saber de subsidiar as regiões mais pobres do Mezzogiorno italiano.

Os radicais catalães não querem outra coisa. Na região mais rica da Espanha, eles sonham em criar um Estado próprio para parar de ter que ajudar as outras mais desprovidas. Os secessionistas da rica província da Flandres belga ou os escoceses, que sonham com uma bonança de petróleo, fazem o mesmo raciocínio. E também os curdos no Iraque, os soberanistas no Quebec ou alguns muito minoritários autonomistas no Sul do Brasil ou até na Califórnia. “Mateus, primeiro os teus”, e que a solidariedade nacional que se dane.

Frustrações históricas

Claro essa motivação básica vem misturada com velhas reivindicações culturais e frustrações históricas. Mas no frigir dos ovos, o motor dessa fragmentação dos Estados nacionais é a perda de confiança das populações na capacidade dos governos centrais em resolver os problemas cotidianos dos cidadãos.

Num mundo onde a produção, o consumo, as finanças, a informação, a cultura e os problemas climáticos estão cada vez mais globalizados, o espaço de manobra dos dirigentes nacionais minguou drasticamente. Não há mais políticas nacionais independentes de uma extensa rede de constrangimentos transnacionais. Todas dependem, cada dia mais, de decisões negociadas nos organismos e instâncias internacionais.

Marcha a ré na História

Os populismos soberanistas que prosperam até nos países ricos e democráticos – Donald Trump é o melhor exemplo – representam uma reação patética a essa perda de autonomia de decisão dos governos. É a ilusão de poder dar uma marcha a ré na História e voltar aos tempos – aliás imaginários – onde tudo era decidido “em casa”.

O tempo das fronteiras fechadas, da proteção econômica e comercial, das informações controladas, das culturas homogêneas onde só uma minoria rica viajava. Uma espécie de Arcádia rural, sem imigrantes e com poucas indústrias nacionais, protegidas e subsidiadas. Um país onde o governo central decidia quem ia ganhar ou perder.  Obviamente, se essa falácia se realizasse, o resultado seria a falência e a miséria. E pouca gente quer viver como na Coreia do Norte, Cuba ou Zimbabué.

Só que essa saudade de poder local também está inflamando os separatismos. As regiões subnacionais mais bem sucedidas estão convencidas de que os problemas econômicos e sociais mais imediatos seriam mais bem administrados no nível regional, onde os líderes políticos estão mais perto dos cidadãos. No Velho Continente, a ideia de uma “Europa das regiões” parece ainda mais factível graças a própria União Europeia que poderia garantir tudo aquilo que vai além das possibilidades das pequenas entidades locais.

Pelo visto, as “pátrias pequenas” ainda têm muito futuro pela frente. Claro, se tudo não acabar provocando um conflito generalizado.

* O cientista político Alfredo Valladão publica sua coluna todas as segundas-feiras na RFI

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