Rússia quer conquistar Aleppo para reforçar papel de Al-Assad
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Vladimir Putin enfureceu – ou está com muita pressa. A aviação russa decidiu bombardear Aleppo de maneira indiscriminada. Pelo visto também alvejou diretamente uma coluna de socorro das Nações Unidas e atacou sistematicamente, hospitais, ambulâncias, médicos. Isto sem falar nas vítimas civis. A violência é de tal ordem, que os chefes das diplomacias britânica e francesa acusaram a Rússia de “crimes de guerra”. O Conselho de Segurança da ONU foi convocado em urgência. Infelizmente, mais uma vez, não vai dar em nada.
Um ano depois da intervenção no inferno sírio, os russos descobriram que entrar é fácil, mas sair é muito mais difícil. Putin tinha duas ideias: fazer com que a opinião pública russa e internacional pensasse menos na paralisia e no custo da intervenção na Ucrânia, e que a Rússia voltasse a ser um protagonista de peso no Oriente Médio. Só que Moscou continua atolada no pântano sírio, e a aventura está custando uma baba.
As armas russas conseguiram salvar a pele do ditador Bachar Al-Assad que estava quase caindo, mas até hoje não foram suficientes para que ele pudesse reconquistar territórios com algum valor estratégico. O exército pro-governamental sírio praticamente não existe mais. Só a guarda pessoal de Assad tem reais capacidades de combate.
O resto são unidades mal ajambradas ou milícias indisciplinadas. Em cada ofensiva do regime um pouco mais organizada e apoiada pelos aviões russos, são combatentes da Guarda Revolucionária iraniana, enviados por Teerã, e supletivos do Hezbollah libanês, que dão conta do recado. Os russos estão aprendendo a lição que já custou muito aos americanos: bombardear desde as alturas, sem tropas no chão, não resolve nenhum conflito territorial.
Síria: problema global
Na Síria, a dificuldade é que a guerra começou como um problema interno, passou a ser um assunto regional e agora está se transformando num enfrentamento global. De início, foi uma rebelião da imensa maioria sunita contra a ditadura sanguinária de um poder minoritário alauíta. Depois um ano de manifestações pacíficas reprimidas com massacres e tortura generalizada, sem que a comunidade internacional levantasse um dedinho, a oposição passou para a luta armada.
A falta de ajuda externa para os movimentos armados nacionais moderados, abriu o caminho para a criação de grupos islamistas extremistas ligados a Al Qaeda e aos terroristas do dito “Estado Islâmico”. Tudo isso com uma ajudazinha inicial de Bachar Al-Assad que queria enfraquecer a oposição sunita. E não deu outra: todas as potências regionais meteram a mão na cumbuca – Irã, Arábia Saudita, Qatar, Turquia – sem falar nas milícias libanesas e curdas.
Resultado: um banho de sangue sem saída e uma confusão total que está engolindo a região inteira. Só que para os Estados Unidos e os países ocidentais a prioridade era combater o grupo terrorista “Estado Islâmico”. O problema político interno na Síria – manter ou não o governo de Assad – importava pouco.
Putin intuiu uma oportunidade nesse enfrentamento de todos contra todos. O objetivo do ex-agente do KGB é que a Rússia volte a ser uma potência global, falando de igual para igual com os Estados Unidos. E ressuscitando, para isto, a velha ideologia do equilíbrio das grandes potências e suas zonas de influência e da defesa do statu quo político em cada país, mesmo as ditaduras mais ferozes.
Direitos humanos para quê? Só que Putin está convencido que se Hillary Clinton ganhar a eleição ela vai ser muito mais dura com a Rússia, inclusive do ponto de vista militar. Daí a pressa. Moscou quer tentar reconquistar Aleppo – a segunda cidade mais importante da Síria – antes de ter um novo presidente na Casa Branca. Aleppo nas mãos de Assad seria a única garantia de que Bachar Al-Assad possa ser visto como um interlocutor incontornável numa futura negociação geral. E que Putin seja o grande manda chuva desta negociação. Só que guerra é guerra. E reconquistar Aleppo, mesmo com um dilúvio de bombas, não é um passeio na pista.
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