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Síria/Guerra

Especialista explica por que imagem de menino sírio Omran comove o mundo

O vídeo do menino sírio Omran, de quatro anos, coberto de poeira e sangue depois de ser ferido por um bombardeio em Aleppo, comoveu o mundo e tem sido compartilhado, nas últimas 24 horas, por milhões de internautas. Em entrevista à RFI, o especialista em cultura visual André Gunthert, da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris (Ehess), analisa a força da cena.

O menino sírio Omran, de quatro anos, completamente apático depois de ser ferido em um bombardeio na quarta-feira (17) em Aleppo.
O menino sírio Omran, de quatro anos, completamente apático depois de ser ferido em um bombardeio na quarta-feira (17) em Aleppo. MAHMOUD RSLAN / AFP
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"Esta imagem emociona justamente porque ela pode ser vista, não é algo insuportável", afirma Gunthert. "Ela fala ao imaginário das pessoas e simboliza a guerra de forma implícita", acrescenta o especialista.

Gunthert chama a atenção para a qualidade da imagem em si. "Há um intenso contraste entre o menino aparentemente calmo, apático, e o que ele evoca, que é a crueldade de um bombardeio", explica. "Isso mexe com as pessoas", diz.

As fotos do sírio Aylan Kurdi (esq.), da vietnamita Kim Phuc (centro) e de uma criança síria ferida em um bombardeio em Hula (dir.) mostram a crueldade das guerras.
As fotos do sírio Aylan Kurdi (esq.), da vietnamita Kim Phuc (centro) e de uma criança síria ferida em um bombardeio em Hula (dir.) mostram a crueldade das guerras. REUTERS/Nilufer Demir/ Shaam News Network/Handout/AFP

O pesquisador compara a situação de Omran à do pequeno Aylan, o menino de três anos cujo corpo sem vida foi encontrado em uma praia da costa da Turquia em setembro de 2015. "São imagens que se tornam símbolos da guerra e podem circular nas redes sociais, sem infelizmente mudar o rumo do conflito." Segundo Gunthert, "a imagem de Omran lembra a dramática situação dos civis em Aleppo, mas hoje a gente já sabe que a foto do pequeno Aylan não mudou a política em relação aos refugiados na Europa".

A  História está repleta de imagens de crianças feridas em conflitos armados.

Médicos sírios denunciam imobilismo

Para o governo norte-americano, o pequeno Omran ilustra "a verdadeira face da guerra" na Síria. Em cinco anos e meio, o conflito já deixou mais de 290 mil mortos.

Milhares de outras crianças vivem traumatizadas pelos ataques aéreos, mutiladas ou prestes a morrer nas cidades sírias. "O caso de Omran não é excepcional. A cada dia, tratamos dezenas de crianças que sofreram ferimentos graves", relata o Dr. Abou al-Baraa, cirurgião pediátrico na região rebelde de Aleppo, entrevistado nesta sexta-feira (19) por telefone pela agência AFP.

Em um vídeo filmado pela rede de militantes do Centro de Meios de Comunicação de Aleppo (AMC), o pequeno Omran aparece limpando seu rosto ensanguentado com a mão. Depois olha para sua mão e, sem acreditar, limpa-a em seu assento.

Segundo o médico, "há milhares de histórias de crianças amputadas, feridas na barriga ou na cabeça" desde o início da guerra, em 2011. Aleppo se encontra há vários meses em uma situação dramática, dividida entre bairros controlados pelo governo (oeste) e outros pelos rebeldes (leste). Falta comida, luz e água à população.

"Ontem (quinta-feira) mais sete pessoas morreram em um bombardeio em Salhine (bairro rebelde). Uma criança foi ferida na região do peito e na cabeça. Tivemos que parar a hemorragia e fizemos uma transfusão de sangue", conta Dr. Abou Baraa. "Tudo em vão. Ele morreu. Ia fazer seis anos".

Para o pediatra, a imagem chocante de Omran "não vai mudar nada". "O mundo olha diariamente fotos e vídeos no YouTube de crianças resgatadas dos escombros, mas não faz nada. Contenta-se com belas palavras", lamenta.

Obama e Putin questionados pelos internautas

Comovidos, os internautas compartilham uma foto-montagem que mostra a imagem de Omran sentado entre os presidentes americano e russo, Barack Obama e Vladimir Putin, mostrando que as crianças na Síria são as vítimas indefesas do jogo de poderes internacionais envolvidos no conflito.

Em outra montagem, Omran está sentado na cadeira reservada para a Síria nas cúpulas da Liga Árabe, muitas vezes criticada por sua inação.

Já na caricatura do sudanês Khalid Albaih, a imagem de Omran aparece ao lado da de Aylan. "A escolha reservada para as crianças da Síria", foi o título dado pelo cartunista, que acrescentou: "se você ficar", sob a imagem de Omran, e "se você partir", sob a de Aylan.

Outros internautas e partidários do presidente Bashar al-Assad compartilharam, por sua vez, imagens de crianças feridas por tiros rebeldes nos bairros de Aleppo sob controle do governo, observando que civis também morrem e são feridos deste lado.

A foto de Omran "é uma lembrança do horror da guerra e do impacto brutal sobre as crianças", afirma à AFP Juliette Touma, chefe da comunicação do Unicef para o Oriente Médio e África do Norte.

'Chacoalhar as consciências'

Segundo a Unicef, um terço das crianças sírias, juntamente com Omran, conheceram apenas a guerra. Em um relatório divulgado em março, no início do sexto ano do conflito, a organização destacou que estas crianças "cresceram rápido demais" em um contexto de "violência, medo e desenraizamento". "Esta imagem deve chacolhar a consciência do mundo", insiste Touma.

Em Aleppo, "as crianças encontram-se na linha de fogo, porque os bombardeios visam ambulâncias, clínicas, abrigos, creches, hospitais e ruas", diz Touma, afirmando que 100.000 dos 250.000 habitantes da zona leste de Aleppo são crianças.

No total, o conflito afeta 8,4 milhões de crianças sírias, mais de 80% delas, seja na Síria ou no exílio, de acordo com a Unicef. "Há 6 milhões de crianças que precisam de assistência humanitária urgente em toda a Síria. E, das 600.000 pessoas que vivem em estado de sítio, metade delas são crianças", de acordo com Touma.

A guerra também privou pelo menos 2,8 milhões de crianças na Síria e nos países de acolhimento de ir à escola, outras são forçadas a trabalhar ou se alistar nas fileiras dos beligerantes como crianças-soldados. Para as meninas, muitas são forçadas a se casar cedo.

Além da guerra, o drama também se repete no Mar Mediterrâneo. A Cruz Vermelha italiana anunciou ter recuperado hoje os corpos de cinco migrantes, entre eles duas meninas, de cinco e oito anos. As vítimas estavam em um barco que naufragou na costa líbia. Vinte e um passageiros puderam ser salvos pelos serviços de socorro.

Com informações da AFP

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