Le Point mostra como Afeganistão e Egito eram liberais até a chegada dos islamitas
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Até os anos 1970, de minissaias e decotes generosos, as mulheres dividiam os bancos universitários com os homens, frequentavam os cafés entre amigas e exibiam arrumados penteados nos passeios pelas ruas. As cenas eram comuns no mundo ocidental – mas não somente. Em países de tradição islâmica, como Afeganistão e Egito, a religião não impedia as mulheres de viverem como bem entendiam. Como, afinal, a versão radical do islã ganhou tanto espaço nas últimas décadas?
A revista francesa Le Point publica nesta semana uma extensa reportagem para responder à complexa questão. “O mundo muçulmano (antes dos islamitas)” é a matéria de capa da última edição. O texto explica que esses países viviam sob governos ditatoriais, com todos os seus excessos e defeitos, porém a influência da religião nos costumes e na sociedade era limitada.
O uso do véu islâmico, por exemplo, era uma escolha no Egito do coronel Nasser, que reprimia pela força os integrantes da Irmandade Muçulmana, a corrente política que assumiu o poder após a Primavera Árabe no país. A mudança severa dos tempos atuais fica evidente nas fotos da reportagem, que compara os retratos oficiais dos alunos da Universidade do Cairo em 1959, em uma turma mista e cheia de estilo, e em 2004, quando os véus já tinham tomado conta das cabeças das mulheres.
Em uma longa entrevista à semanal, o historiador Henry Laurens explica que, na sociedade muçulmana tradicional, “seria impensável a existência de uma polícia religiosa como a saudita”, onde o islamismo é praticado em uma das suas versões mais radicais. “Os religiosos não têm poder no islã sunita, majoritário. É o Estado quem tem o poder”, explica o especialista, à revista francesa. “No islã, os religiosos só podem ser conselheiros dos príncipes, e não substitui-los.”
Repressão deu força a religiosos
A reportagem afirma que o que parece ter sido o erro dos governos modernizadores do mundo árabe – como Ataturk na Turquia – foi ridicularizar e reprimir as correntes que pregavam o islamismo na política. Nos países que viviam sob ditadura, a rejeição ao governante todo-poderoso abriu, aos poucos, espaço para a religião.
Le Point também mostra o combate das feministas muçulmanas – que conseguiram direito ao voto entre os anos 1940 e 1950 em diversos países árabes. Na Turquia, esse direito se consolidou 15 anos antes da França.
Tunísia: exemplo ameaçado
A revista analisa a ameaça que pesa sobre a Tunísia, considerada o único exemplo de sucesso da Primavera Árabe. Em 2014, o país adotou a Constituição mais moderna entre os países árabes. O texto estipula o islã como religião oficial no artigo I, mas, já no II, deixa claro que se trata de um “Estado civil” e, no VI, garante “liberdade de culto e de consciência”.
No entanto, a Tunísia tem visto o islamismo radical ganhar cada vez mais adeptos e o grupo Estado Islâmico avança no país, cometendo uma série atentados e atraindo tunisianos para a jihad. O respeitado filósofo Youssef Seddik argumenta que uma das principais explicações para o fenômeno é a fraca educação no país. “Hoje, 70% dos imãs tunisianos estão abaixo do nível religioso e intelectual desejado”, acusa Seddik.
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