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Planeta Verde

ONU começa a negociar acordo sobre o alto-mar, uma “zona de ninguém”

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Chega a ser difícil de acreditar, mas, até hoje, não existe regulamentação sobre mais da metade da superfície do planeta. Tratam-se das zonas marinhas além das jurisdições nacionais – em bom português, o alto-mar. Pela primeira vez, a ONU começa a debater o que pode se tornar um acordo internacional sobre a governança dessas imensas regiões, que vão da superfície até o solo e o subsolo.

Fundo dos oceanos reservam descobertas científicas, mas exploração precisa ser melhor enquadrada.
Fundo dos oceanos reservam descobertas científicas, mas exploração precisa ser melhor enquadrada. pixabay.com
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O alto-mar começa depois das águas territoriais dos países, que se encerram até 370 quilômetros da costa. As negociações se iniciaram nesta segunda-feira (28), em Nova York, e devem durar duas semanas. Porém, o processo promete ser longo. O embrião da conversa surgiu em 2004, mas a comunidade internacional só concordou em sentar à mesa para discutir o que poderá ser regulamentado em 2015.

Um acordo sobre o alto-mar envolve questões complexas, desde a preservação dos ecossistemas até o acesso aos recursos genéticos marinhos, passando pelos interesses econômicos de cada país. A pesca e a navegação são cada vez mais intensas, e o registro de patentes sobre o uso de organismos marinhos pelas indústrias farmacêutica, cosmética e agroalimentar cresce a cada ano.

“Esses recursos genéticos marinhos poderiam, por exemplo, viabilizar a cura do câncer, ou vários outros usos futuros. Mas de que forma essas descobertas poderiam ser utilizadas? Segundo o regime de patrimônio comum da humanidade? Precisamos definir de que forma vamos compartilhar esses recursos entre os países”, explica Eleanor Mitch, doutoranda em direito ambiental internacional e governança e membro da organização Global Ocean Trust.

Depois da COP-21, nova negociação de peso

Depois das negociações colossais da COP-21, que resultaram em um novo acordo sobre as mudanças climáticas, é hora de tentar repetir a dose com o fundo do mar. Essa primeira etapa para definir as bases do texto vai durar dois anos. Em 2018, as Nações Unidas decidirão se convocam uma conferência governamental para negociar formalmente um acordo internacional.

“Sabemos que o assunto é particularmente complexo e a adoção de um futuro acordo não vai acontecer de um dia para o outro. Mas constatamos que, depois de 10 anos de discussões, os Estados finalmente aceitaram abrir negociações”, avalia Julien Rochette, coordenador do programa de zonas costeiras do Instituto do Desenvolvimento Sustentável e das Relações Internacionais (Iddri), ligado à prestigiosa Sciences Po, de Paris. “Não sei se poderíamos fazer um paralelo com as negociações climáticas, mas podemos comparar em dois pontos. Primeiro, é um tema de envergadura, porque estamos falando em regulamentar 50% da superfície do planeta. E o segundo é que o objetivo é reger um bem comum. Como o clima, o alto-mar não pertence a ninguém. Ele pertence a todo mundo”, explica o jurista, especializado nas questões marinhas e costeiras.

A ambientalista e consultora Eleanor Mitch durante colóquio internacional sobre o direito e a governancia da Sociedade.02/03/16
A ambientalista e consultora Eleanor Mitch durante colóquio internacional sobre o direito e a governancia da Sociedade.02/03/16 Reprodução http://cms.imodev.org

Oceanos são enquadrados – alto-mar, não

Mas, hoje, a situação é bem diferente. “Em 1950, pouquíssimos barcos conseguiam ir além dos limites da zona que pertence aos países. Hoje, graças aos avanços tecnológicos e às subvenções dadas pelos governos aos navios de pesca, além de o combustível estar muito barato, os barcos conseguem chegar a distâncias 10 vezes maiores do que há 66 anos”, indica Mitch. “Isso resulta em um esgotamento dos recursos em alto-mar. Quase dois terços já se esgotaram”, adverte a consultora.

Pesquisador Julien Rochette vê abertura de negociações com otimismo.
Pesquisador Julien Rochette vê abertura de negociações com otimismo. Iddri

“A exploração do alto-mar já começou: tem a pesca em alto-mar, a exploração dos recursos minerais, a bioprospecção, que é a utilização dos recursos marinhos genéticos. Ou seja, há cada vez mais atividades que acontecem por lá, com impactos possíveis no ambiente marinho”, ressalta Rochette. “Por isso, é importante adotar algumas regras para enquadrar as atividades e permitir uma maior proteção desse ambiente.”

Países pesqueiros: adversários históricos de um acordo internacional

Essa fase inicial de negociações vai indicar até onde cada um estará disposto a avançar. A União Europeia e o G77, o grupo de países em desenvolvimento do qual o Brasil faz parte, foram os primeiros a pedir uma atualização das leis.

No entanto, os países onde a pesca é uma atividade econômica crucial, como Noruega, Islândia, Canadá e Japão, jamais haviam concordado em avançar nas discussões. Os Estados Unidos, por sua vez, apresentavam reticências sobre o enquadramento da genética marinha e preferiam manter a lógica de que ganha quem chegar primeiro.

As organizações ecologistas defendem objetivos ambiciosos, como a instauração de gigantescas e intocáveis áreas de proteção ambiental – uma meta que, provavelmente, não será atingida.
 

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