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O Mundo Agora

Fim das sanções ao Irã pode agravar diferenças entre xiitas e sunitas

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Desta vez, foi. As sanções econômicas das Nações Unidas e da Europa contra o Irã foram removidas. Depois de anos de crise econômica e de bloqueio de suas exportações e transações financeiras, a República islâmica está de volta ao mercado internacional. O evento é histórico e, como sempre, traz boas e más notícias.

O presidente iraniano, Hassan Rohani durante coletiva em Teerã.
O presidente iraniano, Hassan Rohani durante coletiva em Teerã. REUTERS/President.ir/Handout
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Olhando para o lado positivo, o preço que o Irã teve que aceitar para reintegrar à comunidade internacional foi alto. Teerã acabou aceitando desmantelar boa parte do seu programa nuclear. O pesadelo de uma República islâmica dotada de armas atômicas não desapareceu definitivamente, mas foi postergado pelo menos por uma década. Por enquanto, uma perigosa corrida armamentícia nuclear envolvendo também o Egito, a Turquia e a Arábia Saudita, foi travada. Sem falar numa possível reação militar de Israel contra o Irã. Claro que o barril de pólvora médio-oriental não precisava de mais essa mecha nuclear.

Outra boa notícia é volta dos iranianos ao mercado internacional do petróleo e gás. O Irã é um dos maiores produtores potenciais do planeta. Só que vai levar algum tempo para que a indústria petrolífera iraniana volte a funcionar e exportar a pleno vapor. Mas esse novo aporte de centenas de milhões de barris iranianos por dia vai inchar a superabundância de oferta no mundo, e achatar mais ainda os preços que já estão no rés-do-chão. As indústrias e consumidores europeus, americanos, japoneses e outros países sem recursos energéticos só podem aplaudir.

Porém, o outro lado da moeda é a catástrofe anunciada para os países produtores, como a Rússia, a Arábia Saudita, a Nigéria, o Canadá ou o México, e outros, como o Brasil, que possuem reservas importantes, mas cujos os custos de exploração ficaram caros demais. Outro problema também é o impacto dos preços baixos sobre a viabilidade econômica das empresas do setor petrolífero. Um setor até hoje essencial para a prosperidade econômica do planeta. Na verdade, ninguém sabe ainda se essa nova situação será benéfica ou não para a economia global.

Arábia Saudita abandonada

O lado realmente negativo dessa normalização das relações com o Irã são justamente as consequências geopolíticas para o Oriente Médio. O regime sunita fundamentalista saudita sempre temeu o Irã xiita, percebido como o herdeiro das ambições imperialistas da velha Pérsia. E a segurança da Arábia Saudita e de suas reservas de petróleo sempre dependeu da aliança com os Estados Unidos. Só que os americanos agora consideram os iranianos interlocutores legítimos e de peso. Nunca a família reinante dos Saud se sentiu tão abandonada e ameaçada.

O Irã controla um “arco xiita” que vai desde o Hezbolah libanês até os zaiditas no Iémen, passando pelo regime de Bachar Al-Assad na Síria e o governo de maioria xiita no Iraque. Sem contar com as populações xiitas em alguns países árabes do Golfo e nas regiões de exploração de petróleo da própria Arábia Saudita. Não é por nada que os sauditas se sentem encurralados e também abandonados pelo aliado americano. Pior ainda: com a queda brutal dos preços do petróleo – provocada em boa parte pela decisão saudita de aumentar a produção para arruinar os concorrentes do gás de xisto americano – o orçamento do estado também despencou. Pela a primeira vez, a Arábia Saudita está no vermelho.

O problema é que o regime depende de supergenerosas transferências sociais para manter a estabilidade interna, e suas reservas financeiras não são infinitas. Nada fácil, sobretudo no momento em que a terceira geração de príncipes chega ao poder com bem menos traquejo do que seus antecessores.

De repente, os Saud começam a espernear: intervenção militar contra os xiitas no Iémen, execução de um poderoso clérigo xiita saudita, ruptura das relações diplomáticas com o Irã, atitude ambígua com relação aos terroristas do dito “Estado Islâmico”. Hoje, a grande incógnita é saber se a boa notícia da volta do Irã ao concerto das nações, não vai se transformar em má notícia: um enfrentamento generalizado entre xiitas e sunitas, com consequências incalculáveis, políticas e econômicas, para o resto do mundo.


* Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, colabora às terças-feiras com a RFI.

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