Turquia suaviza tom sobre tensão causada com Rússia após caça abatido
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O caça russo abatido pela Turquia é o mais grave incidente entre os dois países desde que a Rússia entrou no conflito sírio há dois meses. Mas, dois dias após, o conflito tende a se arrefecer. O chefe da diplomacia russa, Serguei Lavrov, garantiu que Moscou não "entrará em guerra contra a Turquia". Anteriormente, o Kremlin havia classificado a queda do caça como uma "provocação planejada" por um Estado que coopera com terroristas. Já Ancara garantiu que não conhecia a procedência do avião e divulgou o áudio dos alertas dados ao caça russo antes de ser abatido, perto da fronteira com a Síria, e suaviza o discurso sobre a tensão causada com o Kremlin.
Fernanda Castelhani, correspondente da RFI em Istambul
Logo após abater o caça russo, o governo turco declarou que faria o que fosse necessário para defender sua fronteira e seus arredores. Agora, mudou o tom por recomendação dos líderes ocidentais. Uma vez que a Turquia conseguiu o apoio da OTAN, dos Estados Unidos e da União Europeia no episódio, não vai querer perder o papel de destaque.
Alinhado com esse pedido de calma dos aliados, o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoğlu, passou a chamar a Rússia de “vizinho amigo” enquanto o presidente Tayyip Erdogan afirmou que não quer aumentar esse clima de tensão.
Para provar a legítima defesa, as Forças Armadas de Ancara asseguraram que desconheciam a nacionalidade do avião abatido, e divulgaram o áudio dos alertas que teriam sido dados aos pilotos russos. A gravação fala repetidas vezes: “Você se aproxima do espaço aéreo turco, dirija-se imediatamente ao sul”.
O Kremlin desmente. A TV estatal russa transmitiu a entrevista de um homem uniformizado, de costas para as câmeras, identificado como o piloto sobrevivente. Ele relatou não ter entrado em céu turco e não ter recebido nenhum aviso de possível invasão. Moscou anunciou ainda o deslocamento de um navio e de um sistema antimísseis de última geração para a base no norte da Síria – um recado de que está tudo pronto para responder se necessário.
Reação exagerada?
Mesmo com apoio declarado à Turquia, a grande pergunta nos bastidores das conversas entre os aliados das operações na Síria é: o que o governo de Ancara poderia ganhar por abater, intencionalmente, um avião militar estrangeiro? Analistas militares se questionam se a reação turca foi exagerada. Isso porque os radares apontam que o caça russo permaneceu 17 segundos no espaço aéreo da Turquia que, por sua vez, mencionou que os alertas foram emitidos durante cinco minutos.
De acordo com especialistas, as aeronaves F-16, que abateram o aparelho russo, são bem mais ágeis, teriam alcançado facilmente o caça e poderiam ter se alinhado ou se colocado à frente do invasor para interromper a possível infração. Ainda assim, a afirmação do Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, de que foi tudo arquitetado é, por enquanto, especulação.
Mas é evidente a insatisfação da Turquia de não ser a grande protagonista das discussões sobre a Síria, já que a Rússia se adiantou em relação a todos e assumiu a dianteira justamente em apoio ao lado adversário. O governo de Ancara também é o único a considerar o partido curdo sírio (PYD), que hoje recebe armamentos tanto dos russos quanto do Ocidente, uma organização terrorista.
Com os ataques recentes da Rússia nos vilarejos dos ancestrais turcos – os turcomenos, no norte da Síria – e os bombardeios dos aliados contra o Estado Islâmico, o grande temor da Turquia é a liberação do território para os curdos. Por isso, é bem difícil decifrar as reais intenções nessa história.
Sergei Lavrov
O Ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, já cancelou a visita que faria à Ancara para tratar da Síria e pediu que os turistas parem de viajar para a Turquia sob risco de terrorismo. Apesar da ira, Moscou declarou que não entrará em guerra com a Turquia, mas irá avaliar seriamente a continuidade de importantes projetos conjuntos.
Mesmo com os protestos nos consulados dos respectivos países, não houve nenhum gesto de retirada de representação diplomática. A verdade é que há uma forte dependência econômica de ambos os lados. A Turquia é o segundo maior consumidor do gás natural originário da Rússia, responsável por 50% do uso interno. O país mais de 40 projetos de construção civil com os russos que, por sua vez, compram 15% da produção têxtil e 20% dos alimentos exportados pela Turquia.
Os turistas russos também ocupam o segundo lugar no ranking de visitas e são os terceiros maiores investidores imobiliários. Portanto, analistas consideram que essa reação é momentânea. A principal prejudicada é a população síria, uma vez que as negociações sobre a transição política do país, que já andam a passos lentos, agora ficam estagnadas diante da atual necessidade das organizações ocidentais de, primeiramente, mediarem essa crise de relacionamento.
Nessa queda de braço, resta ver quem vai ceder: a Turquia, que hoje exige antes a saída de Assad, ou a Rússia, que apoia a participação do ditador sírio numa futura mudança de governo.
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