O machismo está tão encravado na linguagem que a maioria das pessoas utiliza termos e palavras sem mesmo perceber que relegam as mulheres ao segundo plano ou simplesmente as desrespeitam. O Alto Conselho para a Igualdade entre os Sexos decidiu combater o problema através de um manual, destinado aos funcionários públicos da França.
Refletindo que os funcionários públicos estão entre as profissões que mais entram em contato com a população, e com as mulheres, o organismo do Estado francês destinado a combater a desigualdade teve uma ideia: elaborar um manual que oriente os funcionários a se comunicar com o público feminino sem usar estereótipos sexistas.
A iniciativa é uma continuação das políticas de igualdade que começaram com o governo socialista de Lionel Jospin que, em 1998, publicou um primeiro guia com as profissões, títulos e cargos no feminino; no ano passado foi votada a lei contra a desigualdade que luta contra os estereótipos e, nesse contexto, o guia foi criado.
Tudo começou na Idade Média...
Gaelle Abily, realizadora do manual , explica que os nomes femininos das profissões eram comumente empregados na Idade Média: "Na verdade, as palavras não foram reiventadas. O uso do feminino na língua francesa existia até o século XVII. Empregava-se sem problemas as palavras poeta e poetisa, doceiro e doceira, prefeito e prefeita que, em francês, são usadas no masculino atualmente. Mas no século XVII, os homens decidiram que o masculino era mais nobre, devia se sobrepor ao feminino e ser usado de forma permanente. Foi assim que, pouco a pouco, o masculino passou a ocupar uma função neutra na língua, servindo também para o feminino. Foi uma escolha política, já que na época os homens eram contra a igualdade dos sexos, e impuseram o uso das palavras masculinas de forma dominante na língua francesa".
Um dos exemplos mais comuns, não só na França mas também no Brasil, é reconhecer o poder do cargo de uma mulher, como explica Gaelle: "Sim, um exemplo que se repete é o uso de 'Senhora Presidenta;, aconteceu recentemente na Assembleia Nacional o caso de um político que se recusou a utilizar o feminino referindo-se a uma chefe de Estado, preferindo dizer 'Senhora Presidente'. Essas atitudes não revelam uma falta de conhecimento do idioma francês, mas uma resistência em relação à palavra feminina, e nós estamos em 2015, não é mais possível tolerar essa atitude. Quanto mais o uso for aplicado, menos haverá resistência e isso não tira nada dos homens nem das mulheres, ao contrário, demonstra que as mulheres podem exercer todas as funções e esse é combate atual", observa Gaelle Abily.
Presidenta: cargo tem gênero
Esse combate não é só na França que, por sinal, nunca teve uma presidenta, mas também no Brasil, como lembra a escritora e pesquisadora Leusa Araújo. "A língua não é machista, como diz o professor Marcos Bagno, autor do livro "Preconceito Linguístico". Ele sempre lembra que a língua não é machista porque a língua não existe, o que existe são pessoas de carne e osso, falantes da língua. E são essas pessoas de carne e osso que jogam uma conotação histórica que reflete o machismo no Brasil e em outros países também. Todo mundo gosta de citar o caso da presidenta Dilma que mesmo pedindo que a imprensa a tratasse de presidenta, pela novidade, inclusive, pela possibilidade que a língua dá de colocar no gênero, de flexionar, a mídia teve uma recusa, como se o cargo fosse neutro, e a gente sabe que não é", reflete a escritora.
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