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Fato em Foco

Antropólogo francês publica livro sobre os motéis brasileiros

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 O motel como reflexo da sociedade brasileira: essa é a temática do livro "Motel Brasil - Uma antropologia dos love hotels" (tradução livre), de autoria de Jérôme Souty, antropólogo francês radicado no Brasil e pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Através desta vasta obra, que resgata o surgimento e a história desses estabelecimentos a partir do final dos anos 60, inspirado nos motéis norte-americanos, Souty tenta analisar a sua importância e representatividade no Brasil. O livro, um dos raros sobre o assunto, revela que os "love hotels" brasileiros têm um universo único e são, como define o próprio autor, "uma espécie de prisma da cultura contemporânea do Brasil".

O antrópologo francês Jérôme Souty, autor de "Motel Brasil - Uma antropologia dos love hotels" (tradução livre).
O antrópologo francês Jérôme Souty, autor de "Motel Brasil - Uma antropologia dos love hotels" (tradução livre). Daniella Franco/RFI
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O motel é um tipo de estabelecimento que nasceu nos Estados Unidos há quase um século, geralmente construído à beira das rodovias, na periferia das cidades norte-americanas, e destinado aos motoristas que desejavam simplesmente um local barato e prático para passar a noite. Daí o nome motel, uma junção das palavras "motor" e "hotel".

Apesar de terem o mesmo nome, os motéis norte-americanos, no entanto, pouco se assemelham aos brasileiros, que surgiram no final dos anos 60, com a finalidade específica de promover encontros amorosos e eróticos. Os estabelecimentos se desenvolvem em paralelo à "revolução sexual" e à indústria automobilística no Brasil, em um momento que o país atravessa um período de repressão e de imposição do conservadorismo, instaurado pela ditadura militar (1964-1984).

Livro sobre os motéis brasileiros, do antropólogo francês Jérôme Souty, chega às livrarias da França no dia 19 de novembro.
Livro sobre os motéis brasileiros, do antropólogo francês Jérôme Souty, chega às livrarias da França no dia 19 de novembro. Daniella Franco/RFI

"Apesar do regime ditatorial, conservador e paternalista, as duas décadas de ditadura política correspondem a uma fase de mutações importantes no que diz respeito às relações familiares, às relações de gênero (especialmente com a legalização do divórcio, em 1977) ou às relações entre as gerações. É também um período de individualização dos comportamentos. Uma nova visibilidade é concedida progressivamente à expressão pública dos corpos e à sexualidade, e apesar desse clima de censura, de delação e de repressão", escreve Souty no livro, traçando todo o histórico do surgimento dos motéis em paralelo aos acontecimentos sociais e políticos no Brasil.

Estabelecimentos diferentes e improváveis

Em Paris, onde veio lançar o livro, Jérôme Souty explicou que foi a surpresa que teve ao se deparar com os motéis brasileiros, logo que chegou ao Brasil no final dos anos 90, que o motivou a escolher esses estabelecimentos como tema de sua pesquisa acadêmica. "Para os europeus, os motéis são estabelecimentos muito diferentes e improváveis. O que também atraiu muito minha atenção foi a parte visual, as fachadas dos motéis, o lado kitsch", diz.

A estética dos motéis, aliás, ocupam um capítulo inteiro do livro, desde a arquitetura dos estabelecimentos, passando pelas decorações interiores e até mesmo a publicidade utilizada nas operações de marketing, em grandes outdoors, integrados à paisagem urbana das cidades. Esse espaço físico ocupado pelos motéis é outro aspecto que também intrigou o antropólogo francês.

No livro, Jérôme Souty reúne dados sobre a grande quantidade desses estabelecimentos e sua frequentação. Em média, os cerca de 5 mil motéis brasileiros contabilizam 100 milhões de estadias por ano. Um setor consolidado, em constante crescimento e que lucra, por mês, R$ 360 milhões; R$ 4 bilhões de reais por ano.

No entanto, além do espaço físico ocupado, o autor também analisa o espaço que os motéis tomam no imaginário dos brasileiros. "Além de estudar o lugar em si, como uma empresa, me dei conta que, a partir disso, era possível falar sobre a sociedade brasileira, analisar as mudanças dos anos 70 até hoje em vários pontos: a relação com o corpo, a sexualidade, a questão da transgressão, do romantismo, da paisagem urbana, do consumo, da estética. É como se fosse os moteis fossem um prisma para analisar as mudanças sociais e culturais do Brasil", ressalta.

Conservadorismo sexual

Para realizar a pesquisa, Jérôme Souty reuniu, a partir dos anos 2000, documentos e registros sobre os motéis, visitou vários desses estabelecimentos, entrevistou proprietários, funcionários e, especialmente, frequentadores. Através dos depoimentos dos usuários, o antropólogo pôde constatar a persistência, ao longo do anos, do conservadorismo da sociedade brasileira em relação aos gêneros. "O controle da sexualidade das mulheres contra a liberdade ilimitada dos homens, a passividade feminina e a tolerância para a infidelidade masculina… Você pode achar muitos elementos que mostram a continuação desse padrão paternalista e dessa assimetria da sexualidade em relação aos gêneros", relata.

Na obra, o autor escreve que as diferenças em relação ao comportamento dos gêneros começa já na ida ao motel e se estende para o papel do homem e da mulher dentro dos estabelecimentos. "É quase sempre o homem que dirige o carro, que fala com a recepcionista, que negocia o quarto, que abre a porta, que faz a mediação se um garçom é chamado… Mesmo se for com o dinheiro da mulher, o ato do pagamento é de responsabilidade do homem. Mesmo se o pagamento for feito com o cartão de crédito da mulher, é o homem que digita a senha."

Segundo Souty, de 70 % a 80 % da frequentação dos moteis são adultérios, ainda hoje socialmente mais tolerável aos homens e extremamente condenável às mulheres. "Claro, há também o lado romântico. Muitos casais vão ao motel festejar o aniversário de casamento. A iniciação sexual dos jovens brasileiros muitas vezes acontece nos motéis. Apesar de tudo isso, é claro que os motéis ainda hoje são considerados um local de transgressão sexual e sexualidade 'ilegítima'".

Versão em português

"Motel Brasil - Uma antropologia dos love hotels", de Jéromê Souty, publicado pela Riveneuve Editions, chega às livrarias francesas no dia 19 de novembro, mas já pode ser reservada pela internet. A obra também ganhará em breve uma versão em português e será lançada no Brasil.

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