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O Mundo Agora

Atentado contra passeata em Ancara expõe política irresponsável de Erdogan

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Uma centena de mortos estraçalhados por um homem-bomba. Trata-se do pior atentado da história moderna da Turquia. Diante de tamanhas tragédias, há sempre um reflexo de união nacional. Mas desta vez o governo turco acusa o grupo Estado Islâmico, enquanto a oposição denuncia a responsabilidade dos serviços de segurança e do próprio presidente Recep Tayyip Erdogan.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan REUTERS/Umit Bektas
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Não é simples saber quem foram os executantes e os mandantes da carnificina. Só que os terroristas do dito “Estado Islâmico” – Daech em árabe – sempre reivindicaram com orgulho os próprios horrores, mas desta vez declararam não ter nada a ver com o pato. Na verdade, o país está à beira da guerra civil e Erdogan está colhendo os frutos de uma política de enfrentamento interno irresponsável.

Tudo começou com dois acontecimentos paralelos. A perda da maioria absoluta pelo AKP – o partido neo-islâmico do presidente turco – nas eleições legislativas de junho 2015. E a reconquista por combatentes curdos sírios, uma semana depois, da cidadezinha fronteiriça de Kobani, atacada pelo Estado Islâmico. Sem maioria no Parlamento, foi-se o sonho de Erdogan de acabar com o regime parlamentar e implantar um presidencialismo autoritário.

E foi uma coalizão de partidos de esquerda e associações da sociedade civil em torno do partido pró-curdo HDP que quebrou a maioria do AKP. Por outro lado, a vitória curda em Kobani trouxe de volta o velho pesadelo dos nacionalistas turcos: a possibilidade de ver um novo Estado autônomo curdo se estabelecer na fronteira com a Síria – e ainda por cima controlado pelo velho inimigo interno, o partido curdo radical PKK.

Até então, o presidente turco havia feito muito para dialogar com o PKK e encontrar uma solução pacífica para uma guerra interna que já fez 40.000 mortos nas últimas décadas. Afinal de contas, a minoria curda representa quase 20% da população total, concentrada nas grandes cidades e sobretudo nas regiões do sul do país. Aliás, parte da população curda votava no AKP esperançosa por uma reconciliação pacífica e por ter seus direitos finalmente reconhecidos. Mas as marcha-rés e a arrogância autoritária de Erdogan acabaram provocando uma forte rejeição por parte dessas regiões do sul e da juventude urbana que votaram no HDP.

Foi aí que Erdogan perdeu as estribeiras. Em vez de negociar um governo com uma parte da oposição, decidiu enveredar por uma estratégia de tensão e confrontos internos. Objetivo era organizar, e se possível ganhar, novas eleições legislativas marcadas para novembro próximo. No mês de julho passado, sob pretexto de um sangrento atentado contra manifestantes curdos na cidade de Suruc, também atribuído ao Daech mas também negado pelo grupo terrorista, o governo de Ancara declarou uma guerra total contra o PKK, bombardeando dezenas de cidades do sul do país, prendendo líderes civis curdos e promovendo ataques incendiários às sedes do HDP.

Claro, o PKK, que santinhos também não são, responderam com vários ataques às forças militares e de segurança do Estado turco. Pior ainda: hoje, depois da entrada oficial da Turquia na coalizão ocidental contra o grupo Estado Islâmico, a aviação turca bombardeia quase exclusivamente alvos curdos, dentro do próprio território nacional ou na fronteira com a Síria, apesar dos combatentes curdos serem os melhores aliados contra os terroristas islâmicos.

Não é por nada que boa parte da sociedade civil e a oposição curda legal do HDP, acusam Erdogan e o AKP de, no mínimo, não ter feito nada para impedir o último massacre em Ancara. Alguns até acusam os serviços de inteligência do governo de cumplicidade. Mas se a idéia era criar ainda mais tensão para ganhar as eleições de novembro, o tiro pode sair pela culatra.

Todas as sondagens mostram que Erdogan não vai conseguir a maioria parlamentar. A Turquia está portanto caminhando para uma verdadeira guerra civil numa situação de grave crise política doméstica, com a Síria afundando no caos da rivalidade entre grandes e pequenas potências, terroristas islâmicos cada dia mais bárbaros, e tudo isso no meio de um Oriente Médio explodindo. É a chamada “tempestade perfeita”.
 

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