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O Mundo Agora

Putin pode se dar mal no “atoleiro” sírio

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A Rússia gosta de xadrez. Mas o divisor de águas nesse jogo milenar se faz entre os estrategistas que pensam no fim da partida e os táticos com manobras brilhantes, mas que acabam em xeque-mate. Putin está mais nessa segunda categoria. O verdadeiro pavor do autocrata do Kremlin é ser derrubado por movimentos de massa incontroláveis.

O presidente russo, Vladimir Putin, durante coletiva de imprensa  no Palácio do Eliseu, em Paris.
O presidente russo, Vladimir Putin, durante coletiva de imprensa no Palácio do Eliseu, em Paris. Reuters/路透社
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O antigo agente do KGB nunca engoliu as mobilizações populares que puseram abaixo o império soviético no Leste europeu. Saddam Hussein enforcado, Khadafi linchado, Ben Ali fugindo às pressas de Túnis, são para ele pesadelos constantes. Para evitar essa triste sorte, Putin esmagou com extrema brutalidade a revolta dos tchetchenos que queriam independência.

Mas a gota d’água foi a queda dos governos pró-russos na Geórgia e na Ucrânia. Chegou a hora de usar o único instrumento de poder que sobrou – fora o gás e o petróleo: o enorme aparelho militar russo, bastante antiquado mas em vias de renovação rápida.

Estratégias ousadas

O primeiro gambito do presidente russo foi a invasão do norte da Geórgia. A conquista da Abecásia e da Ossétia do Sul numa guerrinha relâmpago contra um inimigo sem defesa, não foi nada gloriosa. Sobretudo que boa parte do material bélico russo emperrou durante a ofensiva. Mas a aventura demonstrou que os ocidentais não estavam a fim de sair combatendo por pequenos países periféricos.

O segundo gambito foi mais ousado: a invasão camuflada da da Ucrânia com homens e armamentos sem distintivos militares – os famosos “homenzinhos verdes” – e a anexação militar da Criméia. Mais uma vez, os ocidentais se dividiram e no final decidiram que não podiam arriscar uma guerra geral na Europa e que a resposta tinha que ser diplomática.

Uma atitude que deu asas ao líder russo que lançou um enorme programa de modernização das Forças Armadas e multiplicou as provocações com manobras navais e aéreas rente às fronteiras de vários Estados europeus. O discurso agora é que a Rússia está de volta, merece respeito e se acha no direito de restabelecer zonas de influência e soberanias limitadas na sua vizinhança. É o zumbi da Guerra Fria e do mundo bipolar tentando sair do cemitério da história.

O problema é que o sucesso destas jogadas táticas iniciais estão se revelando impasses estratégicos. A truculência russa ressuscitou a OTAN – a velha aliança ocidental que não sabia mais para aonde ir. Com medo do urso russo, vários países da Europa do Leste estão exigindo tropas e material da OTAN baseados fisicamente nos seus territórios, aumentando as possibilidades de tensão e incidentes com o Kremlin. Pior ainda: o Ocidente decretou pesadas sanções econômicas que, junto com a derrocada dos preços do petróleo, precipitou a Rússia numa das piores recessões dos últimos tempos.

Custos altos e armadilhas

Na Geórgia e na Ucrânia, Moscou não tem condições de continuar avançando. Está tudo congelado e custando cada vez mais caro financiar e administrar as regiões ocupadas em crise. A opinião pública russa ainda plebiscita Putin, mas a história mostra que isso nunca é eterno. Além do mais, o grupo de antigos oficiais do KGB que sustentam o líder russo começam a não achar mais tanta graça nessas proezas táticas que podem acabar em sinuca de bico.

Putin não tem outra saída, senão passar do xadrez para o pôquer. A intervenção militar na Síria para defender o regime quase morto de Bashar Al-Assad parece, à primeira vista, uma cartada brilhante. “Seus dez mas cem!” Só que é também pôr o dedo na engrenagem da violência religiosa e étnica do Oriente Médio. Durante a Guerra Fria, a Rússia saiu corrida do Afeganistão.

Atoleiro sírio

É quase certo que também acabará atolada na Síria, com todas as populações, os grupos radicais e os Estados sunitas da região querendo ver a caveira dos russos. Sem falar na má vontade dos ocidentais e dos próprios xiitas apoiados pelo Irã que não estão a fim de virar simples peões do Kremlin. Bons táticos são raramente bons estrategistas. Afinal de contas, a Rússia soviética inventou mil estratagemas, alguns brilhantes, mas acabou perdendo a Guerra Fria.
 

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