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Por que ainda festejamos a Independência com desfile militar?

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Nesta segunda-feira (7), comemora-se a Independência do Brasil, proclamada – talvez não exatamente como mostra o famoso quadro de Dom Pedro I, em 1822 pintado por Pedro Américo. Nas últimas cinco décadas, a data leva estudantes para marchar em desfiles, onde tropas do exército passam pomposas ao som da fanfarra local. Um soldado ou um bom aluno hasteia a bandeira brasileira. Mas o que o desfile militar tem a ver com o dia da independência, se, quando Dom Pedro decidiu gritar “independência ou morte”, nosso exército ainda nem existia?

Desfile militar de 7 de setembro, em Porto Alegre
Desfile militar de 7 de setembro, em Porto Alegre Gustavo Gargioni/ Especial Palácio Piratini
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O professor de Ciência Política José Paulo Bandeira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que a relação entre 7 de setembro e exército é bem mais recente que a história das margens do rio Ipiranga. Ela começa com o golpe de estado civil-militar de 1964, "mas, em 1968 houve um golpe puramente militar. A partir daí, os militares passaram a construir um estado realmente militar. E esse estado militar saturou o uso dos símbolos nacionais para legitimar esse governo".

A lei nº 5.571, que dá a festa da independência o papel de exaltar  "a ideia de pátria, estimular o amor à liberdade, cultuar as tradições nacionais" é de 28 de novembro de 1969 e foi assinada pelo general Emílio Garrastazu Médici.

Rejeição aos símbolos

Bandeira pondera, porém, que o envolvimento da população no culto aos símbolos nacionais não é incondicional: "Enquanto o Estado conseguiu manter a economia bem, tudo bem. Mas quando chegou a crise econômica, a população começou a rejeitar o Estado militar e os símbolos nacionais identificados com esse estado”.

Como exemplo dessa rejeição ao nacionalismo tupiniquim o professor Ivo Coser, também da Universidade Federal do Rio de Janeiro, avança no tempo e vai do movimento das Diretas Já! às manifestações dos últimos anos: “Quando iniciaram-se os movimentos pelo impeachment do Collor, o PT conclamou uma manifestação na qual as pessoas deveriam ir de preto, para simbolizar luto, e a resposta de Collor foi que, aqueles que o apoiassem, fossem de verde e amarelo. Mais recentemente, nas manifestações de 2013, elas [as cores verde e amarelo] foram adotadas por favoráveis à queda de Dilma e saudosos do regime militar”.

Coser lembra que, mesmo durante a ditadura, nem todo símbolo nacional causava horror a quem discordava dos militares: “Eu vi uma vez o depoimento de um militante que contava que eles cantavam o hino da independência – que fala de liberdade (...) enquanto o hino nacional, falava da grandeza da terra, da pátria. (...) não era um conteúdo que pudesse, naquele momento, mobilizar a luta".

No período pós-ditatorial, no entanto, era tão grande a força da relação nação-ditadura que nem a esquerda nem a social-democracia reivindicaram essa ideia de nação, como explica Bandeira: “os intelectuais da era petista e da era FHC têm um problema com a 'Nação'. Isso tem a ver com essa história da nação ser identificada com um Estado militar. Isso colou no imaginário brasileiro”.

Para Bandeira, o arrefecimento deste imaginário só aconteceu recentemente, "quando o governo petista voltou a usar o verde amarelo com o vermelho" misturando as cores nacionais com "os símbolos internacionalistas do partido: o vermelho, a estrela etc".

E como seria um 7 de setembro na democracia?

Para Coser, o 7 de Setembro é uma data importante, mas "ainda não se descobriu exatamente o que é comemorar um 7 de setembro em uma democracia. A parada militar fazia sentido em um regime autoritário, mas hoje em dia, pra quê, né?".

Quem tenta estimular uma maneira mais democrática de lembrar o dia da Independência é o grupo O Grito dos Excluídos, que se mobiliza nacionalmente desde 1994 e tem entre os organizadores a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Rosilene Wansetto, da coordenação nacional do Grito e da Rede Jubileu Sul Brasil faz coro com o professor Coser: "Repensar o 7 de setembro realmente se faz necessário. Eu acho que a festa da Independência, da soberania, tem que ser feita com o povo e o povo realmente pouco participa desses momentos das paradas militares. É um palanque para políticos e um resquício da nossa ditadura.”

Além de "palestras cívicas" o texto da lei de 1969 prevê até o "palanque": "Sempre que possível a coincidência, a inauguração de obras públicas". Wansetto conta que transformar o hino nacional e a bandeira em símbolos do povo é uma das intenções do Grito: "A gente acha mto importante a resignificação desses símbolos nacionais. Porque a bandeira nacional, o hino nacional, desde a ditadura - ou muito antes disso -, foram usados também como símbolos de repressão; e nós queremos que esses símbolos façam parte de uma historia democrática, de uma historia de construção de cidadania, onde as pessoas se sintam inseridas nessa sociedade".

O tema do Grito dos excluídos desse ano é “A vida em primeiro lugar” e deve trazer slogans contra as mortes causadas pelo Estado, o papel da mídia e contra o consumo exacerbado.

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