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Saúde em dia

Atraso do "Viagra para mulheres" prova machismo da comunidade científica

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Com pouca eficácia comprovada, uma série de efeitos colaterais e um atraso de 17 anos em relação ao Viagra, o Addyi, medicamento que promete aumentar o desejo sexual das mulheres, foi aprovado nos Estados Unidos. Para muitos especialistas, essa demora em tratar um problema comum entre as mulheres reflete o viés misógino da pesquisa e da indústria farmacêutica, que se concentram há décadas apenas nos problemas sexuais masculinos.

O medicamento Addyi, popularmente chamado de "Viagra feminino", chega ao mercado prometendo tratar a falta de libido das mulheres.
O medicamento Addyi, popularmente chamado de "Viagra feminino", chega ao mercado prometendo tratar a falta de libido das mulheres. REUTERS/Sprout Pharmaceuticals/Handout via Reuters
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Na semana passada, a flibanserina se tornou a primeira substância para disfunções sexuais femininas a ser validada pela FDA, agência norte-americana reguladora de medicamentos e alimentos. A aprovação, depois de duas rejeições consecutivas, reabriu o debate sobre a importância da sexualidade feminina e o mostrou o quanto a questão ainda é ignorada não só pela sociedade como também pela comunidade científica. Vários grupos feministas acusam a FDA de demora na validação do medicamento para as mulheres, enquanto vários produtos para melhorar a perfomance sexual dos homens foram aprovados facilmente.

Outras polêmicas chegam antes mesmo de o Addyi começar a ser comercializado, como a série de efeitos colaterais do produto, como desmaios, diminuição da pressão arterial, náuseas e sonolência. A eficácia do remédio também é contestada: testado em 2.400 mulheres com uma idade média de 36 anos, apenas 10% dizem ter percebido uma melhora em seu prazer sexual. Outro teste também mostrou que mulheres que tomaram o medicamento tiveram 4,4 experiências sexuais satisfatórias em um mês contra 3,7 relações sexuais prazerosas apontadas por pacientes que estavam ingerindo placebo.

Para o ginecologista francês Sylvain Mimoun, a percentagem de eficácia não diminui a importância da aprovação do produto. "Mesmo que o Addyi não seja uma revolução, ele representa um grande avanço para muitas mulheres que enfrentam problemas sexuais e que esperavam há anos um medicamento como esse. Claro, não podemos esperar que ele tenha uma eficácia de 80% ou 90%, mas mesmo que os primeiros resultados sejam baixos, o mais importante é que ele pode ajudar muitas pessoas", ressalta.

Como funciona

Produzida pelo grupo norte-americano Sprout Pharmaceuticals, a flibanserina é destinada à mulheres na pré-menopausa que sofrem com a falta de desejo sexual que não esteja relacionada a uma disfunção física ou hormonal. A FDA aprovou o Addyi especificamente para uma condição conhecida como distúrbio de desejo sexual hipoativo generalizado adquirido (HSDD na sigla em inglês).

O medicamento atua como antidepressivo no sistema nervoso central e modifica a concentração de alguns neurotransmissores, explica a psicóloga especialista em educação sexual, Carolina Freitas. "Ele age diretamente em três substâncias que temos no cérebro, essenciais para o bem-estar e o desejo sexual, promovendo o aumento da dopamina, da norepinefrina e a diminuição da serotonina. Essas transformações ajudariam a despertar o desejo sexual", diz.

O psiquiatra e sexólogo francês Gérard Tixier lembra que o Addyi não pode ser comparado ao Viagra, que trata a disfunção erétil masculina. "Para que o Viagra tenha efeito, é necessário que o desejo sexual exista. A flibanserina trata a falta de libido, que é um problema sério para muitas mulheres. Então, se esse antidepressivo pode ajudá-las a acordar seu desejo sexual, a chegada do Addyi é muito positiva", avalia.

Além do que se vê

Carolina Freitas ressalta que o Addyi trouxe de volta o debate sobre a sexualidade feminina, mas não acredita que o medicamento sozinho possa resolver todos os problemas relacionados à falta de desejo sexual das mulheres. "A libido feminina engloba muitas particularidades. As mulheres são mais emocionais. Então, além da questão física, é preciso considerar o envolvimento, o bem-estar e a própria vontade das mulheres. Ou seja, apenas a medicação não vai resolver completamente o problema", ressalta.

Para a psicóloga, a permissão própria da mulher de ter prazer é essencial para um vida sexual saudável. "Afinal, mesmo nas sociedades mais modernas, muitas mulheres não têm permissão de ter libido. Então, receio que essa medicação seja mais uma ‘permissão externa’, como se a mulher não pudesse nunca ser responsável por seu desejo sexual", reitera.

Tratamento regular

A Sprout Pharmaceuticals alerta que o Addyi começa a ter efeito após algumas semanas de utilização e que o tratamento precisa ser regular. Ele poderá ser adquirido apenas com receita médica e não pode ser utilizado por mulheres que ingerem bebidas alcoólicas.

O Addyi chega às farmácias dos Estados Unidos no próximo mês de outubro. No Brasil, o medicamento ainda está sendo analisado pela Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e não tem previsão para começar a ser comercializado. Já na França, especialistas acreditam que o remédio estará disponível aos consumidores dentro de um ano.

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