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O Mundo Agora

Fechado, modelo econômico da China não tem mais condições de se manter

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As imagens apocalípticas da explosão na cidade chinesa de Tianjin e a catástrofe ecológica e humanitária num dos maiores portos e centros industriais do país são emblemáticas de uma nova realidade. A China triunfante dos últimos vinte anos está acelerando, pé na tabua, em direção de uma parede de concreto.

Investidor chinês observa, preocupado, o painel da  Bolsa de Valores de Hangzhou, na China, em 18 de agosto de 2015.
Investidor chinês observa, preocupado, o painel da Bolsa de Valores de Hangzhou, na China, em 18 de agosto de 2015. REUTERS/China Daily
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Poucos são os que ainda acreditam nos números econômicos anunciados pelo governo chinês. Todos os indicadores setoriais estão em queda e não batem com o otimismo das autoridades que declaram que o PIB ainda está crescendo a 7% - aliás, uma das cifras mais baixas das últimas duas décadas. Já tem investidores calculando que a verdade deve estar por volta de 6 ou até 4 %! O que para a China, com sua imensa população pobre, seria equivalente a uma perigosa recessão. Sinais de que a economia chinesa não inspira mais confiança se multiplicam.

O FMI resolveu protelar a decisão de incluir a moeda chinesa – o Yuan – na cesta de moedas de referência do Fundo. A MSCI – a grande empresa financeira americana que criou o principal índice de referência para os mercados emergentes (o MSCI World) – recusou-se a aceitar a inclusão de ações chinesas abertas aos estrangeiros, alegando que a bolsa de Xangai não oferecia garantias suficientes; o que, aliás, provocou a recente super queda das ações chinesas e a intervenção estatal massiva para tentar segurar o tombo. Georges Soros, a velha raposa dos mercados financeiros, acaba de vender quase todas as ações que possuía nas duas mais importantes firmas chinesas de alta tecnologia, Alibaba e Baidu. E as grandes empresas chinesas estão todas tentando investir pesado na Europa e nos Estados Unidos, fugindo de uma economia doméstica em pleno declínio.

O problema da China é sempre o mesmo desde a crise global de 2008. Um modelo econômico fechado, baseado na exportação de produtos industriais baratos para os grandes mercados americano e europeu, que não tem mais condição de se manter. Os consumidores do Primeiro Mundo estão comprando menos, os salários chineses aumentaram, diminuindo a vantagem de preço, e os investimentos massivos em infra-estrutura e no mercado imobiliário tornaram-se insustentáveis, criando bolhas financeiras difíceis de controlar. Pior ainda: o nível de poluição e acidentes industriais no país não pára de estourar as cotas de alerta.

Os dirigentes do Partido Comunista Chinês sabem perfeitamente que não há solução senão mudar de modelo. Dar prioridade ao consumo doméstico e às empresas privadas inovadoras em vez de apostar tudo na exportação e nos investimentos públicos. Só que isto significa liberalizar o crédito e o movimento dos capitais, e promover a liberdade de empresa, de comunicação e de criação. Em suma: a solução passa pelo fim do monopólio do poder pelo PCC. Mas os governantes chineses não tem nenhum apetite para hara-kiri. A reação da cúpula dirigente é tentar sobreviver na base de uma repressão cada dia mais pesada e uma censura de todos os meios de comunicação, sobretudo a Internet. Sem espaço para manobrar, Pequim tenta apelar para a tradicional e insustentável desvalorização cambial.

O problema é que a China é hoje um dos grandes motores da economia global. E essa situação vai criar problemas para todo mundo. Quem vai sofrer mais são as economias emergentes, sobretudo as exportadoras de matérias primas: vão perder o maior cliente, vão ter que amargar a concorrência dos produtos industriais chineses mais competitivos com o Yuan fraco e vão também sofrer mais desvalorizações de suas moedas.

A China, de paraíso dos pobres, está virando inferno. Algumas grandes indústrias europeias que também dependem do mercado chinês também vão passar por apuros. O que não é nada bom na atual conjuntura fraquíssima da economia europeia, mas a Europa tem muitos recursos. No final, quem vai ganhar é a moeda americana, com todo mundo correndo para comprar dólar, e a economia dos Estados Unidos, bem mais independente dos humores chineses. Sem uma revolução interna na China, o “século da Ásia” vai desaparecer tão rápido quanto começou. E voltaremos ao domínio da velha economia euro-americana abrindo um novo “século do Atlântico”.

Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, escreve às terças-feiras para a RFI.

 

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