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Fato em Foco

Conheça o modelo trabalhista alemão, que inspirou o Brasil contra o desemprego

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Eficiente para combater o desemprego, o modelo alemão de mercado de trabalho é um dos mais flexíveis da Europa. Nos anos 2000, uma ampla reforma liberalizou as regras para empregar, criando os contratos temporários e os famosos “mini jobs”, vagas com uma carga horária de até 30 horas semanais. O salário também é reduzido, não podendo ultrapassar os € 450 (R$ 1.597), sem a incidência de impostos.

O modelo econômico da Alemanha, o kurzarbeit, cuja tradução literal é "trabalho curto", é o modelo de redução de horas prevista na legislação do país europeu desde os anos 50.
O modelo econômico da Alemanha, o kurzarbeit, cuja tradução literal é "trabalho curto", é o modelo de redução de horas prevista na legislação do país europeu desde os anos 50. Reuters
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A lógica foi a de que é melhor ganhar pouco do que estar sem trabalho. A flexibilização permitiu à Alemanha ultrapassar a crise econômica de 2009 com um impacto limitado no nível de emprego, ao contrário de quase todos os parceiros da União Europeia.

No auge da crise, Berlim implantou um sistema, chamado kurzarbeit, permitindo às empresas reduzirem a carga horária dos funcionários. A diferença salarial é paga pelo Estado. Desta maneira, evitam-se as demissões.

A experiência alemã serviu de inspiração para o governo brasileiro, que lançou o Programa de Proteção ao Emprego, na tentativa de conter o fechamento de vagas.

“Nós, de fato, estamos passando por um momento extremamente duro. O que nós estamos fazendo – e não inventamos a roda – foi que nós olhamos as melhores experiências internacionais. Consideramos que a melhor era a alemã, por isso, construímos o programa tentando garantir a presença das condições de recuperação”, afirmou a presidente Dilma Rousseff, em sua recente viagem à Rússia.

O economista-chefe adjunto do Natixis, Sylvain Broyer, especialista na Alemanha, observa que muitos países europeus adotaram medidas semelhantes para tentar barrar o desemprego. “É uma flexibilidade muito apreciada pelas empresas, ao permiti-las conservar a mão de obra qualificada em período de crise. E assim que o crescimento econômico retoma e a vendas voltam a subir, as empresas podem reutilizar essa mão de obra, que permanece à disposição”, explica. “Não é necessário contratar mais gente, formar novos empregados e perder capital humano e experiência. É uma ferramenta muito inteligente.”

Setores específicos

A medida, no entanto, se restringe a setores com mão de obra especializada – não pode ser aplicada em qualquer tipo de emprego. “Em setores nos quais a qualificação do trabalhador não é tão importante para o desempenho da sua atividade, esse tipo de flexibilidade não tem muito sentido, como no caso dos garçons, por exemplo”, afirma Julimar da Silva Bichara, professor de economia da Universidade Autônoma de Madri e especialista em mercado de trabalho. “No entanto, nos setores industriais, não. O custo de contratação é bem mais elevado. Nestes casos, é muito melhor reduzir a jornada do que demitir o trabalhador.”

Além das medidas emergenciais para períodos de crise, o modelo do mercado de trabalho alemão inspira outros países com alto nível de desemprego. Até a França, apegada aos direitos trabalhistas, olhou de perto o sistema de Berlim para formular as mudanças em curso no país. Em abril, a Alemanha atingiu a taxa mais baixa de desemprego desde a década de 1990, de 6,4%.

Sylvain Broyer lembra que a Espanha, um dos países que mais sofreram com a falta de trabalho após a crise, fez reformas trabalhistas baseadas no caso alemão. Os contratos de trabalho foram flexibilizados e a indexação dos salários à inflação acabou.

“Os resultados começam a ficar interessantes. O emprego cresce 3%, o PIB também e os salários não subiram. Ou seja: as reformas do mercado de trabalho na Espanha, que se inspiram muito do que foi feito na Alemanha, estão funcionando, em um contexto em que o crescimento mundial ainda está baixo”, ressalta.

Precariedade e aumento da pobreza

O lado B do sistema alemão é que gerou empregos precários, apontados como os responsáveis pelo aumento da pobreza. Em 2013, o índice chegou ao recorde de 15% da população, o maior desde a reunificação do país.

Passados dez anos da reforma na Alemanha, o recurso dos mini jobs acabou se generalizando. A expectativa do governo era de que 5% dos trabalhadores estivessem nesse sistema, mas a taxa hoje é de 20%. Mais de 7 milhões de alemães trabalham nesse regime.

Entre eles, estão muitos estudantes, mas também mães de família e aposentados em busca de um complemento para a renda. Outros, no entanto, não encontram uma opção melhor de emprego – uma situação provisória que acabou se tornando definitiva.

Colchão social

Julimar Bichara ressalta que é preciso levar em consideração a política social existente em cada país antes de flexibilizar as regras do mercado de trabalho. Ele sublinha que, na Alemanha, a sociedade tem acesso a educação, saúde, habitação por um custo baixo, além de acesso à formação profissional de qualidade.

“Desta forma, você pode pensar que é fácil ter relações de trabalho muito flexíveis. Mas se você leva esse tipo de reforma para países como o Brasil, onde a política social do Estado praticamente não existe, você está levando o pior dos mundos, ao flexibilizar de uma maneira selvagem o mercado de trabalho, e o se trabalhador perde o emprego, ele não tem proteção social”, destaca. “Não são situações comparáveis. Você copiar esse modelo e levar é o que se poderia fazer de pior. É preciso ter muito cuidado.”

Para o especialista, a chamada “flexiseguridade” só pode dar certo em países com uma segurança social consolidada. É o caso dos países do norte da Europa, onde as relações de trabalho são flexíveis e os custos de contratação são menores, mas a proteção garantida pelo Estado é de alto padrão.

 

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