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O Mundo Agora

Eleição democrática na Turquia derrotou projeto ditatorial

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Às vezes – nem sempre – eleições democráticas conseguem derrotar projetos de poder ditatoriais. Aconteceu na Turquia. Pela primeira vez em treze anos, o AKP (o partido islâmico-conservador do presidente Recep Tayyip Erdogan) perdeu a maioria no Parlamento e vai ter que inventar um governo de coalizão.

Os turcos votaram neste domingo (7) nas eleições legislativas que fizeram o partido do premiê Erdogn perder a maioria no parlamento..
Os turcos votaram neste domingo (7) nas eleições legislativas que fizeram o partido do premiê Erdogn perder a maioria no parlamento.. REUTERS/Murad Sezer
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No começo, Erdogan prometia um crescimento econômico e sobretudo mais democracia e liberdade. Queria provar que o Islã não era incompatível com os valores democráticos e que o AKP era um partido “islâmico-democrático” igual a qualquer partido cristão-democrático europeu. E que a Turquia seria um exemplo para todo o mundo árabe e muçulmano.

Só que esses sonhos de grandeza se esborracharam contra a realidade e a sede de poder do próprio Erdogan. Aproveitando do momento da “globalização feliz” do começo do século XXI, a economia e o nível de vida dos turcos dispararam, as negociações para a adesão de Ancara à União Europeia também foram relançadas com reformas internas para melhorar o ambiente de negócios e o respeito aos direitos humanos.

Na política externa, comandada na época pelo atual primeiro ministro Ahmet Davutoğlu, a Turquia foi “superestrela”. Tornando-se uma referência para todos os movimentos islâmicos moderados que queriam chegar ao poder na esteira da dita “primavera árabe”. Mas o oba-oba não durou muito tempo.

Vários países da União Europeia não queriam saber dos turcos como membros do clube. As negociações bilaterais continuaram atoladas. Com a crise financeira depois de 2008, a economia turca começou a desmoronar e o AKP foi incapaz de fazer as reformas indispensáveis para sobreviver no período das vacas magras.

Diplomacia contestada

Na política externa, o tempo fechou. Nenhum governo árabe achava graça nas pretensões turcas de liderança regional. E os movimentos islâmicos mais moderados foram ultrapassados pelos radicais e terroristas islamistas, ou diretamente reprimidos pelos governos árabes autoritários. Erdogan já havia sonhado alto com uma ressureição moderna do velho Império Otomano turco que iria garantir a ordem, a segurança e a paz no Oriente Médio e no norte da África. Mas que também voltaria a exercer influência junto às populações turcófonas da Ásia central.

Se a Europa não queria o país, a Turquia ia recriar uma hegemonia “neo-otomana” do Azerbaijão à Túnis. Só que não foi bem assim. Ninguém na região estava afim de voltar ao passado do poder absoluto da “Sublime Porta”, e hoje as fronteiras turcas estão diretamente ameaçadas pelas guerras no Iraque e na Síria, e as pressões do Irã xiita e até da dita “Nova Rússia” de Vladimir Putin. Não deu outra. Como na América Latina, o político populista democrático virou rapidamente um populista autoritário e corrupto.

Erdogan, para se manter no poder, saiu em campo com um discurso religioso cada vez mais radical, atacando diretamente as liberdades individuais, os direitos da mulher, a liberdade de imprensa e até a independência da justiça e das forças de segurança. Ele e sua família também estão envolvidos em pesados escândalos de corrupção. Sem falar nos projetos de infraestrutura megalomaníacos sem o menor respeito ao meio-ambiente e nas campanhas de moralização contra o álcool, as festas, a homossexualidade e até contra o riso das mulheres em público.

O cúmulo da prepotência e do ridículo foi atingido com a construção de um novo palácio presidencial de 1.150 quartos e o estabelecimento de uma Guarda presidencial com uniformes dignos de uma série de Walt Disney.

Erdogan queria o poder absoluto. Apostou tudo nas últimas eleições, perdeu a parada. E perdeu para uma coalizão dos jovens e profissionais das grandes cidades que não queriam voltar para a Idade Média, movimentos homossexuais e LGBT, ecologistas, grupos de esquerda que denunciam a crise econômica, boa parte da população curda turca cansada de ver que as negociações com o governo para melhorar seus direitos estão paralisadas há anos, e até militantes do próprio AKP preocupados com as ambições ditatoriais do presidente. Claro, o AKP continua sendo o maior partido do país, mas se Erdogan insistir em se tornar um Sultão otomano vai ter que acabar com a democracia turca e entrar na porrada.
 

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