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França

Chefs da França se mobilizam contra violência na cozinha de restaurantes estrelados

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Pontapés, queimaduras com talheres quentes, pratos quebrados, esbarrões brutais, gritos... Na França, durante décadas, reinou a lei do silêncio sobre a banalização da violência nas cozinhas dos restaurantes dos grandes chefs. As vítimas, em geral, são jovens ajudantes, que pagam caro pela inexperiência ou por cometerem um erro no preparo de um molho ou na decoração de um prato. O respeitado chef Gérad Cagna decidiu quebrar o tabu e lançar um manifesto contra as práticas.

O calor, a pressa e a obrigatoriedade da perfeição geram nervosismo que pode acabar em violência nas cozinhas dos grandes restaurantes.
O calor, a pressa e a obrigatoriedade da perfeição geram nervosismo que pode acabar em violência nas cozinhas dos grandes restaurantes. DR
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Tudo começou no ano passado com a denúncia da agressão de um ajudante de cozinha no restaurante Pré Catalan, três estrelas no Guia Michelin, comandado pelo chef Fréderic Anton, jurado emblemático do programa Master Chef na França: um jovem ajudante teve os antebraços queimados três vezes por um dos cozinheiros, com uma colher aquecida no fogo.

Ele foi demitido imediatamente por Fréderic Anton, mas o caso foi o estopim para dezenas de denúncias e depoimentos semelhantes por parte de aprendizes.

Manifesto "Não toque no meu ajudante" assinado por grandes chefs

O chef francês Gérard Cagna redigiu o manifesto contra a violência nas cozinhas dos restaurantes.
O chef francês Gérard Cagna redigiu o manifesto contra a violência nas cozinhas dos restaurantes. DR

O respeitado chef Gérad Cagna decidiu quebrar o tabu e lançar um manifesto contra essas práticas que vieram à tona recentemente. 

"A violência na cozinha data dos anos 50, até mesmo antes. Em todas as profissões ligadas à alimentação, como padeiro e açougueiro, sempre existiu porque se achava que a dor, a violência, agredir as pessoas, fazia parte do aprendizado. Podemos ser exigentes, mas sempre digo que a dor e a violência não são instrumentos de formação. Aconteceu algo muito grave no ano passado, quando um jovem ajudante foi queimado em um restaurante três estrelas. Eu achei isso desproporcional, sádico, isso é tortura! Então um jornalista me ligou e disse que estava fazendo um artigo sobre o assunto e queria a minha opinião. Eu fui à entrevista e ele me contou coisas que me horrorizaram", diz Cagna.

Quando saiu da entrevista, ele teve uma reflexão imediata: "tenho que escrever um manifesto". Cagna telefonou a outros chefs, que o apoiaram, por ter compreendido que havia uma lei do silêncio, "que cada agressão era escondida e tampada dentro da panela". O chef diz que o objetivo do manifesto é fazer com que a profissão encontre ou reencontre uma nova ética, "é um problema de ética", observa o chef, que em 2005 legou seu restaurante para os filhos e devolveu suas duas estrelas ao Guia Michelin, em nome de sua liberdade.

"O chef precisa parar de achar que é o rei da cocada"

A frase acima foi dita por um dos mais respeitados chefs franceses, Laurent Suaudeau, que vive no Brasil há 35

O chef Laurent Suaudeau vive há 35 anos no Brasil e apoia a iniciativa de se quebrar o tabu sobre a violência nas cozinhas.
O chef Laurent Suaudeau vive há 35 anos no Brasil e apoia a iniciativa de se quebrar o tabu sobre a violência nas cozinhas. DR

anos e hoje é considerado o maior formador de cozinheiros do país. Ele confessa que, mesmo não tendo sofrido violência, testemunhou diversos casos. E aprova totalmente o manifesto dos chefs franceses.

"Eu não assinei, mas se viesse à minha mão, eu seria o primeiro a assinar. Primeiro, porque eu sei que tem um chef que apoia, Regis Marcon, que representa para mim a expressão mais válida do que a nossa profissão tem que ser, o encaminhamento que ela tem que ter; e tem também o Thierry Marx, que está de acordo. O chef precisa parar de achar que é o 'rei da cocada', temos que voltar a ser o que realmente somos, artesãos. E a partir desse momento, o artesão tem obrigação de difundir seu conhecimento aos jovens, nem é uma obrigação, é uma missão. A partir do momento que você encarou isso, a forma com que vai ter que se colocar no conceito de transmissão, tem que ter uma formação adequada, temos que redefinir esse papel. Agora, a competição, a concorrência, as mídias como um todo, levam os chefs a pensarem que são 'stars' de cinema e nós não somos 'stars' de cinema", diz Laurent.

Laurent também concorda que o ambiente na cozinha de um restaurante estrelado é propício ao estresse: calor, preparação de pratos cronometrada, equipe majoritariamente masculina, exigência máxima. Mas também reflete que essa atmosfera não pode fazer com que a pessoa que comanda perca o controle.

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