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Planeta Verde

Remunicipalização da água é tendência global, mostra estudo

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Um mapa publicado no estudo "Here to Stay" da ONG Transnational Institute deveria alarmar os brasileiros. Ele mostra uma tendência mundial de remunicipalização de recursos hídricos. Na França, por exemplo, 49 cidades retomaram a água que estava nas mãos de investidores nos últimos 15 anos. Nos Estados Unidos, foram 59. No mundo inteiro, foram 180 cidades, em 35 países. Isso demonstra uma tendência já que, em 2000, foram apenas três casos em todo o planeta.

O sistema Cantareira em São Paulo, que virou símbolo de má gestão de recursos hídricos
O sistema Cantareira em São Paulo, que virou símbolo de má gestão de recursos hídricos Luiz Augusto Daidone/ Prefeitura de Vargem
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Mas o Brasil, ao contrário de vizinhos sul-americanos e mesmo outros países do hemisfério sul, não está na lista: nenhuma cidade do país devolveu a água, recurso estratégico, à população. Foram quatro na Argentina, duas na Venezuela, duas na Bolívia, duas no Uruguai. Isso porque o país - São Paulo, especialmente - atravessa uma das mais graves crises de abastecimento de água de sua história. Ou seja, era um bom momento para que todas as cartas estivessem na mesa. Mas essa discussão, que o mundo inteiro tem feito, não parece integrar a agenda brasileira.

Recursos Inesgotáveis

Para a professora de urbanismo Myriam Bahia Lopes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o país ainda acredita num mito nacionalista, de que é uma terra de recursos inesgotáveis. "No período da Ditadura, o lema dos militares era o milagre brasileiro - que não era tão milagre assim - que está pautado em um movimento desenvolvimentista. Esse crescimento econômico não caminha junto com os direitos humanos", observa a professora.

Mas é o modelo que temos até hoje, embora seus resultados sejam globalmente pífios, como explica Satoko Kishimoto, coordenadora do Transnational Institute: "Muitos municípios decidiram privatizar os serviços de água para reduzir custos, mas na verdade, isso não aconteceu. Em vários casos, o serviço inclusive ficou mais caro para os cofres públicos, o que motivou a restatização. A segunda razão é a perda de qualidade no serviço. Em seguida, vem a questão da transparência: as autoridades, além de perderem o acesso à informação, perdem a expertise. Outra razão, em especial nos países em desenvolvimento, é o fato de que o preço para o consumidor final tornou-se impraticável".

A culpa é sua

Quando o sistema colapsa, a conta recai sobre o consumidor doméstico, enquanto as empresas fazem planos especiais com a fornecedora para manter a produção. Detalhe: no caso paulista, menos de 10% do consumo de água é doméstico.

"O discurso hoje", observa Myriam, "é que a população tem de diminuir a água do banho. Você tem de ter uma consciência social. Em Minas, por exemplo, a água dada nas outorgas de mineradoras dá para abastecer seis (estados de) Minas. E elas pegam a água que é pura e vão usar para transportar o minério de forma mais barata. O ferro precisa que o Estado entre com a infra-estrutura. Ou seja: nós pagamos a infra-estrutura e nós perdemos a água para consumo para que eles exportem um produto que não tem quase nenhum valor agregado".

O caso de Paris

Para ela, isso deve ser repensado. Um esforço que o mundo tem feito, com resultados até surpreendentes, como indica Satoko Kishimoto, destacando o caso de Paris. A capital francesa remunicipalizou a água em 2010, quando venceu o contrato com a fornecedora Suez. Em seu primeiro ano de operação, a companhia municipal Eua de Paris economizou € 35 milhões, o que permitiu uma redução de quase 10% no custo da água. Mas a economia - principalmente por conta da transparência da gestão - foi tamanha que a Eau de Paris virou investidora social, aplicando verba em fundos de ajuda aos menos favorecidos.

"O processo de municipalização pode ir muito além da posse pública do recurso natural, em direção à construção de um fornecimento mais democrático da água", afirma a ativista. "Em Paris a empresa convida diferentes grupos de trabalhadores para participar do corpo administrativo oficial. Esse tipo de governança democrática pode ser introduzida. Mas isso não acontece em todos os lugares, a administração tem de ter boa vontade e promover de forma agressiva a administração pública como uma forma de democratizar o serviço público". Ao que parece, o Brasil ainda não tem essa força de vontade toda.

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