Acessar o conteúdo principal
Saúde em dia

França reconhece distúrbio de déficit de atenção e hiperatividade

Publicado em:

Depois de dois anos de intensos debates, a Alta Autoridade de Saúde na França (HAS, na sigla em francês) reconheceu oficialmente, o Transtorno do Déficit de Atenção com ou sem Hiperatividade, popularmente chamado de TDAH. A decisão, anunciada em fevereiro, veio acompanhada de uma série de recomendações para os médicos, familiares e profissionais de saúde enfrentarem um problema que atinge entre 3 e 5% da crianças em idade escolar na França.

Os principais sintomas do TDAH são a impulsividade, a falta de concentração e a hiperatividade.
Os principais sintomas do TDAH são a impulsividade, a falta de concentração e a hiperatividade. facebook.com/pages/TDAH
Publicidade

O documento estabelece critérios para o diagnóstico e traz orientações para a abordagem e o tratamento de um distúrbio muito controverso. Para muitos psicanalistas, o déficit de atenção é reflexo de um problema psíquico interno da criança, que precisa ser resolvido com terapias, sem medicamentos.

Na outra ponta, estão os especialistas que enxergam o problema como originário de uma disfunção neurológica no cérebro, com causas ainda desconhecidas. E, em muitos casos, quando o problema gera um verdadeiro tormento para as crianças, pais e professores, sugerem o tratamento com medicamentos.

Para a Alta Autoridade de Saúde da França, uma instituição independente que colabora para as políticas do sistema de saúde do país, o déficit de atenção, com ou sem hiperatividade, é uma síndrome que associa três sintomas, que variam de intensidade.

São eles: o déficit de atenção, que normalmente é identificada como a dificuldade da criança em se concentrar por um tempo longo e não conseguir finalizar as tarefas, a hiperatividade motora, ou seja, uma agitação crônica e a dificuldade em parar quieto, e a impulsividade, caracterizada pela dificuldade em esperar e sempre querer atrapalhar os outros.

“Não se trata de uma doença. É uma dificuldade da maturação do cérebro que vai levar determinadas crianças a ter dificuldades de concentração, dificuldade para fazer alguma coisa até o final, dificuldades de leitura ou para escrever, entre outras coisas”, explica Jean Chambry, psiquiatra infantil e membro do grupo de trabalho da Alta Autoridade de Saúde. 

“O dia a dia fica conturbado devido a essas dificuldades. E pode ficar ainda mais complicado por uma hiperatividade, ou seja, um distúrbio do comportamento, uma agitação e uma impulsividade”, acrescenta o especialista.

Dificuldade de diagnóstico

Nem sempre é fácil distinguir as crianças que realmente tem problemas de TDAH, das que são simplesmente agitadas e desconcentradas, em determinado momento da infância.

Melly, de 16 anos, foi diagnosticada com TDAH ainda na infância, aos seis anos, depois de apresentar sintomas típicos do distúrbio. “Eu tinha dificuldades de me concentrar, tirava notas baixas e não entendia porque sempre levava bronca. Não sabia o que fazer. Eu não conseguia dormir, sempre ficava mexendo minhas pernas. Eu me sentia diferente dos outros”, contou em entrevista à Rádio França Internacional.

Seu pai, Yannick, não sabia o que fazer e demorou muito a perceber o problema da filha. “Melly era como um canguru, que pulava o tempo inteiro. Para mim, ela era uma criança cheia de vida e curiosa, apesar de que não conseguia ficar muito tempo concentrada em uma mesma atividade. Mas na escola, os professores sempre reclamaram que ela não ouvia as ordens, que não conseguia ficar parada”, explicou.

A família foi orientada a consultar um especialista que diagnosticou o distúrbio. “Fizemos um grande trabalho em casa porque aos 6, 7 anos, diziam que ela era nula, nunca iria conseguir nada. A gente teve que mostra que ela conseguia fazer as coisas, que era capaz e que tínhamos orgulho dela”, disse o pai de Melly.

A recomendação da Alta Autoridade de Saúde é clara ao insistir na abordagem não medicamentosa do distúrbio. O primordial é investir em diferentes medidas educativas, psicológicas e sociais para enfrentar e tentar solucionar o problema. Entre as técnicas sugeridas pela instituição está a Terapia Cognitiva Comportamental, conhecida pela sigla TCC, que ajuda a criança a melhorar sua atenção.

Outros fatores importantes são dar suporte aos familiares para ajudar os pacientes a melhorar seu comportamento, adotar técnicas de reeducação para reforçar as competências cognitivas da criança e trabalhar terapias que permitam a afirmação do indivíduo diante de um grupo.

A HAS recomenda a entrada em ação de medicamentos apenas quando as terapias comportamentais não forem suficientes para resolver ou melhorar o déficit de atenção. O remédio é à base de metilfenidato, um estimulante para o distúrbio, conhecido também por um de seus nomes comerciais, Ritalina. Mas essa terapia medicamentosa, deve entrar no contexto de uma ação global para lidar com a TDAH.

“Essa síndrome deve ser tratada, na maioria dos casos por tratamentos sem medicamentos, mas eventualmente por tratamento com remédios, se for o caso”, avalia Cédric Gouchka, membro da Alta Autoridade de Saúde.

“Na França, existe apenas uma molécula disponível, o metilfenidato, comercializada com o nome de Ritalina. Não se pode ter medo. Se um especialista propõe aos pais é porque é recomendável e dentro de um contexto de segurança. Para nós, o importante é a eficiência para o tratamento para diminuir a deficiência da criança”, afirma.

Ausência de política pública no Brasil

No Brasil, os especialistas se organizam em associações como a ADBA, Associação Brasileira de Déficit de Atenção, e criam sites para ajudar na divulgação e informação do distúrbio. Para psicóloga Viviane Cornachini, criadora do site tdah.net.br, a ausência de políticas públicas dificulta uma melhor abordagem do problema no país.

“Dificulta para os profissionais da área de saúde e também para a população. Eu respondo muitas perguntas do tipo: 'eu tenho um filho suspeito de ter TDAH. O que faço?' As pessoas, de um modo geral, não sabem o que fazer”, diz.

“Eu oriento para um neurologista, que irá fazer as perguntas-chave para verificar (o distúrbio). O ideal seria que o neurologista encaminhasse para uma psicoterapia e fazer junto, se ele achar conveniente, a implementação medicamentosa. Mas nem sempre isso acontece”, afirma Viviane.
 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.