França é condenada por não proibir a palmada e o tapa no rosto em crianças
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O Conselho Europeu dos Direitos Humanos condenou a França nesta quarta-feira (4) por não ter nenhuma legislação precisa contra as punições corporais ditas "educativas" em crianças. A palmada ou a famosa "gifle", como é chamado na França o tapa no rosto, ainda são métodos considerados normais em muitas famílias.
A denúncia não vai resultar em nenhuma sanção ou punição contra a França, mas a decisão é importante em um país onde o tapa no rosto ainda é visto como um direito dos pais sobre os filhos, muitas vezes tratado como uma questão "cultural" da sociedade francesa. A expectativa é que o país atualize a sua legislação, sob o risco de ser condenada na Corte Europeia do Direitos Humanos (CEDH).
A principal organização de defesa dos direitos das crianças na França, a Fundação pela Infância faz, desde 2011, uma intensa campanha contra a violência infantil e batalha pela criação de uma lei que proteja os menores das punições corporais. A ong produz vídeos chocantes que mostram o efeito que violências domésticas como o tapa no rosto ou a palmada podem causar nas crianças.
O coordenador da campanha, Gilles Lazimi, critica a falta de legislação para proteção dos menores na França: "Eu tenho a sensação de que falamos frequentemente dos direitos dos pais e não falamos suficientemente dos direitos das crianças. Os franceses dizem que não é papel do Estado dizer o que podemos fazer com nossos filhos. Mas é sim, especialmente quando não se trata apenas da educação, mas de violências".
Maioria dos franceses apoia "a gifle"
O assunto causa polêmica e divide opiniões. Pesquisas recentes mostram que uma grande maioria dos franceses já recebeu um tapa no rosto ou uma palmada dos pais. Cerca de 80%, inclusive, é contra a proibição deste tipo de violência.
A enfermeira brasileira Danielli Laforgue mora há três anos na França e é mãe de três crianças. Ela discorda da alegação de que o tapa no rosto seja uma atitude cultural no país. "Os franceses não vêem o tapa no rosto como uma agressão, mas eu não entendo como isso pode ser educativo. Não é uma palmada que vai mostrar à criança que ela está errada", diz.
Já a professora brasileira Tatiana Bichara Leal Parsi, que mora há cinco anos na França e tem uma filha de um ano, não acha que uma palmada possa ser vista como uma violência. "Eu apanhei quando era criança e não fiquei traumatizada. Ao contrário, tenho um amor imenso por meus pais. Não sou a favor da agressão, mas um tapinha no bumbum pode ser corretivo e não vai causar nenhum mal", explica.
Tapa ou palmada não educam
Mas, a professora Lidia Weber, do Departamento de Psicologia e Educação da Universidade Federal do Paraná, alerta que qualquer violência física é prejudicial para os pequenos. "Uma palmadinha é diferente de uma surra? Os estudos mostram que não. Afinal, a natureza desta violência é a mesma : uma ação que é utilizada para causar dor no outro para que ele obedeça", alega, lembrando que o tapa não funciona a longo prazo e não serve para modificar o comportamento de uma criança.
A psicóloga infantil Daniella Freixo de Faria explica que a palmada ou o tapa não proporcionam nenhum tipo de aprendizado ao menor. "A agressão não vai esclarecer para a criança porque ela não deve fazer um escândalo em um supermercado para ganhar um doce. Quando essa criança voltar a passar pelo mesmo tipo de situação, ela vai ter o mesmo tipo de comportamento", alerta.
Para Dra. Daniella é preciso levar em consideração que a educação e os comportamentos das crianças evoluíram. "Os pequenos hoje têm voz, espaço, opinião e atualmente são vistos como seres que têm algo a nos ensinar também. Essas crianças não podem ser vistas como antigamente e serem punidas como nós, adultos, éramos, há anos", argumenta.
Consequências das pequenas violências
Dr. Lidia ressalta que inúmeros estudos mostram que qualquer tipo de violência pode trazer resultados negativos para a criança. "Não quer dizer que se alguém der um tapa no filho, ele vai se transformar em um criminoso. Mas a punição física, dependendo de fatores como a estrutura da família, a frequência e a intensidade da agressão, o momento em que ela aconteceu, podem trazer consequências sérias, como uma baixa auto-estima na criança, maior probabilidade de depressão, e a possibilidade que este comportamento violento seja repetido pelo menor", enumera.
"Eu já ouvi de uma criança de 4 anos, por exemplo, que ela estava treinando, para que um dia, quando ela crescesse, pudesse bater no pai para revidar as agressões sofria", relata Dr. Daniella. A psicóloga sublinha que outro dano que a violência física pode causar é a "perda de foco" por parte do agredido, sem que a vítima tenha a noção de que foi punida por uma má escolha. "E o foco de toda ação dela passa a ser o adulto que a colocou no desconforto", finaliza.
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